por Felippe Hermes
Imagine a cena:
A maior operação de combate à corrupção
da história do país está a uma semana de completar seu terceiro ano.
Nesse meio tempo, operações das mais diversas colocaram em xeque algumas
das maiores empresas do país, em especial aquelas que tiveram, ao longo
dos últimos anos, fortes relações com o governo. Não mais que seis
meses antes, o presidente da segunda maior delas foi levado para depor,
acusado de corrupção.
Neste cenário de caos institucional,
você, um presidente impopular, que já presenciou a queda de ao menos
dois ministros e a prisão de um senador da república por conta de
gravações de áudio, decide se encontrar para discutir o pagamento de
propina em uma reunião secreta com este mesmo empresário, em pleno
palácio de governo. Parece cena de filme, certo? Errado.
Convenhamos: se algo assim ocorresse em
uma das suas séries ou filmes favoritos, sua primeira reação seria
duvidar, achar forçado, irreal. Afinal, como pode uma mente ardilosa o
suficiente para chegar ao posto mais alto da república tomar uma atitude
tão estúpida? A resposta é simples: não pode, exceto se você achar que
seus espectadores são mais estúpidos ainda. Funciona assim na TV e no
cinema e, ao que parece, na política.
Compondo esta cena bizarra, o presidente
da J&F, Joesley Batista (nenhuma relação com Eike Batista). Segunda
maior empresa do país em faturamento, a J&F é o que, no mercado
financeiro, se costuma chamar de joint-venture, um nome pomposo
para designar a criação de uma empresa que une a experiência de dois
grupos distintos, no caso, a velha Friboi da família Batista e a
expertise dos políticos brasileiros em desviar recursos e favorecer
empresas amigas.
Com este pequeno empurrão, a J&F
cresceu e se tornou dona da maior processadora de carne do mundo, a JBS,
da maior fábrica de papel e celulose do planeta, a Eldorado celulose, e
de um dos maiores símbolos brasileiros, as Havaianas. Tudo isso
turbinado com muito dinheiro saído do seu bolso.
Na prática, a empresa é um resultado
direto de alguns dos maiores males do país nos últimos anos e,
justamente por isso, sua queda, ou ao menos a de seus responsáveis, é um
exemplo perfeito de como a república como conhecíamos pode desmoronar a
qualquer momento.
A delação de Joesley e seu irmão,
Wesley, já está encaminhada, mas antes de pegar a pipoca e se preparar
para as cenas dos próximos capítulos, fizemos um resumão do que você
precisa saber sobre a empresa e o que pode ser esclarecido pelos irmãos.
1) O empurrão de R$ 9,3 bilhões do BNDES para que a JBS concentrasse o setor.
Criar grandes empresas brasileiras que
pudessem competir no exterior e dar uma imagem mais competitiva ao país
era, em tese, a ideia por trás da chamada política de campeões
nacionais. Na prática, o BNDES, banco federal escalado para a missão,
escolheu a dedo, de maneiras mais que duvidosas, empresas que mereceriam
certo apoio para se destacarem em seus setores.
Nesta onda de dinheiro com juros abaixo da inflação (que, segundo o Tribunal de Contas, custou aos brasileiros R$ 194 bilhões),
nenhuma empresa se beneficiou tanto quanto a já conhecida Odebrecht. No
top 3 de maiores beneficiários porém, a JBS não faz feio, ocupando um
segundo lugar, logo à frente da EBX de Eike Batista. Em comum, todos os
três envolvidos hoje em operações da polícia federal que investigam o
pagamento de propinas aos políticos responsáveis por escolher os tais
campeões.
Graças ao dinheiro barato
disponibilizado pelo banco, a JBS realizou uma série de aquisições de
outras empresas, tornando-se quase hegemônica em sua área. Foram nada
menos que 17 aquisições, incluindo a Bertin, segundo maior frigorífico
do país à época.
Como resultado, o banco estatal ajudou a
empresa a diminuir a concorrência no setor no Brasil, o que, segundo a
teoria econômica, colabora fortemente para um aumento de preços.
2) A JBS usou o seu dinheiro para se tornar a maior processadora de carne dos EUA também.
Não satisfeita com o mercado brasileiro,
a JBS acabou contando com um empurrão inusitado: financiamento do
governo brasileiro para realizar aquisições no exterior. A JBS tornou-se
a maior processadora de carnes dos Estados Unidos com a compra da
centenária Swift e posteriormente da Pilgrims.
Entre julho de 2007 e dezembro de 2009, o banco desembolsou R$ 5,6 bilhões
para financiar aquisições feitas pela JBS. Em alguns casos como da
compra da Pilgrims, o banco foi responsável por financiar 99% da
operação.
Em outras palavras, o banco estatal
brasileiro criado para gerar desenvolvimento econômico e social no país,
aceitou financiar, com dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador, uma
aquisição que gerou exatos zero empregos no Brasil.
3) O governo é dono de 1/3 da JBS, a maior doadora de campanhas do país.
Ao contrário da maior parte dos casos
envolvendo o banco federal, a relação com a JBS foi mais profunda. Não
apenas o banco decidiu emprestar bilhões, como também topou tornar-se
sócio da empresa. Para realizar aquisições no exterior, a JBS emitiu
aqui as chamadas debentures, uma espécie de título emitido pelas
empresas que garante juros a quem compra e, em determinados casos, uma
opção de converter o valor final em ações.
No final das contas, por meio da
BNDESPar, uma empresa de participações do banco, nada menos que 31% da
empresa acabou indo parar diretamente nas mãos do governo. Por que um
governo que enfrenta déficits ano a ano e cogita aumentar impostos
mantém em carteira ações de um frigorífico? Isso só Joesley e Wesley
podem esclarecer.
O certo é que, se tudo isso não é
bizarro o suficiente, o fato de a empresa ter se tornado a maior doadora
de campanhas eleitorais do país completa a lista. Foram, segundo o
próprio Joesley, 1.890 políticos que receberam valores da empresa.
Tudo isso em uma ascensão meteórica,
saindo de R$ 220 mil doados em 2002 para R$ 366,8 milhões em 2014, nada
menos do que 39,5% do lucro líquido da empresa em 2013.
Entre 2006 e 2014, nada menos do que R$ 463 milhões saíam dos cofres da empresa direto para partidos políticos, apenas por vias conhecidas.
4) Quando a dona da JBS decidiu comprar a dona da Havaianas e fez isso sem gastar um único centavo.
Que a operação Lava Jato complicou a
vida de algumas das maiores empreiteiras do país não é nenhuma novidade.
Grandes grupos criados para explorar tudo aquilo que dependesse, em
última instância, da palavra de um político, as empreiteiras brasileiras
cresceram e se expandiram além das suas fronteiras naturais, a
construção civil.
Empresas como Odebrecht tornaram-se
sócias de estádios de futebol, saneamento, agricultura e produção de
etanol. Outra delas, a Queiroz Galvão, possui até mesmo investimentos em
uma fazenda de camarão.
A segunda maior delas porém, a Camargo
Corrêa, tornou-se conhecida por deter um símbolo nacional dos mais
conhecidos: a Havaianas, controlada pela sua subsidiária, a Alpargatas.
Graças à crise e à decisão de se
desfazer de alguns dos seus principais negócios, a empreiteira – fundada
por Sebastião Camargo, um dos responsáveis por erguer Brasília (onde,
conta-se, os empreiteiros bolaram alguns dos mais hilários modos
de ludibriar o governo e superfaturar obras, como a estratégia de fazer
um mesmo caminhão de areia passar cinco vezes por um fiscal, para ser
computado como cinco caminhões) -, que controlava a Alpargatas desde
1982, colocou a empresa à venda.
Na ponta compradora, um dos poucos
campeões nacionais que não haviam falido ou estavam enfrentando a Lava
Jato, a J&F, dos irmãos Batista.
Para comprar o controle da Alpargatas por R$ 2,67 bilhões,
a empresa recorreu não ao seu caixa, mas a outro banco estatal, a Caixa
Econômica Federal, que topou financiar 100% da operação.
O que leva a Caixa a financiar este tipo
de operação é um segredo daqueles que todos parecemos saber a resposta.
Um pequeno detalhe: tudo isso ocorreu logo depois da Caixa garantir que
o estaleiro de Eike Batista pagasse sua dívida com o banco em 40 anos.
5) Quando a J&F construiu a maior fábrica de celulose do mundo e o governo pagou quase tudo.
Diversificar os negócios para além do
setor de processamento de carne também fez parte dos planos ambiciosos
da família Batista. Além de investir em bancos, na indústria de
alimentos processados, couro e mídia (com a compra do canal rural), a holding que controla as empresas do grupo decidiu se aventurar por um setor quase completamente novo: papel e celulose.
A ideia era construir, no estado do Mato
Grosso do Sul, a maior fábrica de celulose do mundo, com capacidade
para processar 1,5 milhão de toneladas por ano, além de uma opção para
expandir para até 4 milhões (ainda em aberto e provavelmente incerto
agora).
Para levantar tamanho empreendimento, os
irmãos Batista tiveram de recorrer a uma engenharia financeira que
contou com as fontes mais diversas. Buscaram, junto ao BNDES, R$ 2,7
bilhões, além de R$ 900 milhões junto ao FI-FGTS (um fundo de
investimentos do FGTS que adquire participações em empresas) e mais R$
550 milhões por parte dos fundos de pensão da Petrobras e da Caixa
Econômica.
Segundo apurou a Polícia Federal, a
operação junto ao FI-FGTS, que nos planos da empresa deveria ter se
estendido até R$ 1,5 bilhão, ocorreu em função de um pagamento de
propina da ordem de R$ 33 milhões.
Ainda segundo a apuração da PF na
operação Greenfield, a operação causou prejuízo de R$ 1,1 bilhão apenas
para a Petros, por conta de contabilidade duvidosa do fundo na operação.
6) A mesada que Michel Temer pediu para ajudar a empresa a roubar a Petrobras.
Ainda na onda de diversificação do grupo
e se aproveitando de um momento de crise, onde vendas de empresas
tornam-se mais fáceis, a J&F decidiu investir no setor de energia.
Por meio de uma subsidiária sua, a empresa adquiriu o controle da EPE
(Empresa Produtora de Energia) e participação na GasOcidente, no final
de 2014.
A EPE possuía como único ativo a usina
térmica de Cuiabá, responsável por produzir 529 MW de energia por ano.
Alugada pela Petrobras, a usina rendia US$ 1 bilhão por ano à estatal,
que importava o gás natural da Bolívia e o utilizava para produzir
energia.
Com a compra, os irmãos Batista tentaram
um acordo com a YPFB, estatal boliviana que produzia o gás. Sem
sucesso, acabaram fechando acordo com a Petrobras.
Como a estatal revendia a um preço acima
daquele que pagava aos bolivianos, a usina começou a causar certo
prejuízo. Sem conseguir um acordo com a estatal, os novos donos
decidiram ir até quem manda de fato.
Eis o motivo pelo qual Joesley decidiu negociar junto a Temer: forçar a Petrobras a vender a um preço igual ao de compra.
Para desenrolar o caso, Temer indicou seu ex-assessor e deputado pelo Paraná, Rodrigo Rocha Laures.
Com a ajuda de Laures, Joesley acabou resolvendo seu pequeno impasse,
pelo que ficou combinado uma pequena ajuda mensal a alguém de ordem
superior ao deputado. Um pagamento de R$ 500 mil mensais durante os 20
anos em que vigoraria o acordo entre a Petrobras e a térmica de Joesley.
7) Joesley e JBS tinham espaço até mesmo para indicar ministros no governo Temer.
Cerca de um em cada 30 políticos eleitos
na última eleição contaram com algum tipo de apoio da JBS. Isso se você
decidir contar com todo e qualquer vereador, deputado, governador,
senador, presidente e vice, do Caburaí ao Chuí.
Se decidir focar em Brasília, a bancada da JBS corresponde a 23% da câmara dos deputados. Além da campanha da ex-presidente e do futuro ex-presidente, atual ocupante do Palácio do Planalto.
Caso você decida checar a lista, irá
encontrar nomes suficientes para se manter ocupado por quase duas horas,
caso resolva citá-los um a um, além das mais variadas siglas.
Liste os mais importantes ocupantes de
cargos políticos em Brasília e é possível rastreá-los até a JBS. Até
mesmo Henrique Meirelles, ministro da fazenda, já foi ligado à empresa.
Ao contrário dos demais políticos, porém, trabalhou diretamente para a
empresa, mais especificamente para o Banco Original e a J&F (todos
os demais conhecidos até aqui trabalharam apenas indiretamente).
A relevância de Joesley e a trupe dos
Batista é tão grande que o recém empossado ministro do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio, Marcos Pereira, do PRB, recorreu a Joesley para lhe apresentar o então presidente da Confederação Nacional da Indústria, em maio de 2016.
Da CVM, responsável por fiscalizar a JBS
na bolsa de valores, ao Banco Central, Receita Federal e Procuradoria
da Fazenda Nacional, tudo parecia estar à disposição do então todo
poderoso da segunda maior empresa do país.
Graças à intermediação de Temer,
que garantiu que o mesmo Rodrigo Rocha Laures poderia falar de tudo com
Joesley, o empresário viu que negociar algo no governo era muito mais
simples do que se poderia pensar.
8) Você sabe o que é SWAP? Pois a JBS lucrou 12,7 bi às suas custas com ele.
Você provavelmente nunca ouviu ou se
importou com estas pequenas quatro letras, mas para o mercado financeiro
elas possuem uma relevância imensa. Swap é um meio pelo qual
um empresário pode proteger-se contra uma eventual queda do preço do
dólar e garantir um preço certo para suas exportações.
Por envolver o Banco Central como agente
negociador, a possibilidade de ganhos em operações neste estilo são
imensas, afinal, trata-se claramente de apostar contra o governo.
Quando o ex-ministro da fazenda Guido Mantega decretou que quebraria a cara
quem apostasse que o dólar subiria aos R$ 4,00, não foram poucos os
empresários que decidiram apostar nisso. Dentre eles, a JBS, a maior
ganhadora nessa história toda.
Apenas em operações cambiais, a empresa ganhou R$ 12,7 bilhões, enquanto o governo perdeu R$ 120 bilhões (somando todas as demais operações).
EXTRAÍDADESPOTNIKS
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