, por Érica Gorga O Estado de São Paulo
Gary Becker, ganhador do Nobel e autor de Crime and Punishment: An Economic Approach (Crime e punição: uma abordagem econômica), demonstrou que o comportamento criminoso é o resultado de decisões de custo e benefício.
Se os benefícios do crime suplantarem os custos a ele associados, a
prática criminosa será incentivada. Nessa ótica, a alta taxa de
criminalidade e reincidência criminosa no Brasil é plenamente explicada
por seus modelos matemáticos. A probabilidade da condenação e os custos
associados à punição aplicada aos crimes são muito baixos em relação aos
benefícios financeiros alcançados. Em síntese: aqui, praticar crimes
compensa.
A divulgação do escandaloso acordo de colaboração premiada entre o
Ministério Público Federal e os irmãos Joesley e Wesley Batista, que
prevê imunidade completa e continuidade no controle do grupo J&F,
chocou os brasileiros, gerando manifestos de boicote a produtos da JBS
nas redes sociais.
Os irmãos Batista não serão nem sequer denunciados criminalmente e
pagarão a multa pífia de R$ 220 milhões. Diferentemente de Marcelo
Odebrecht e outros célebres personagens da Lava Jato, não correm o risco
de serem presos nem de usar tornozeleira eletrônica em casas em
condomínios e bairros de luxo, desfechos, aliás, que mostram à maioria
da população que os crimes foram vantajosos.
Os irmãos Batista e o grupo JBS são investigados por dezenas de
ilícitos, incluindo irregularidades em financiamentos de R$ 8 bilhões do
BNDES, investimentos irregulares de fundos de pensão no grupo JBS,
liberação de recursos do FGTS mediante pagamento de subornos, fraudes na
concessão de créditos pela Caixa Econômica Federal e pagamentos de
propinas a fiscais do Ministério da Agricultura para obter certificados
sanitários. Isso sem falar nos pagamentos de propinas a 1.829 políticos
de 28 partidos.
Joesley Batista corrompeu o próprio Ministério Público Federal, mantendo
como informante durante as tratativas do acordo o procurador Ângelo
Goulart Villela, preso na semana passada. Ironicamente, o chefe do MPF
foi bem mais rigoroso com o corrompido da sua corporação do que com o
corruptor.
O BNDES tem cerca de 21% das ações da JBS e a Caixa Econômica Federal,
5%. Outros acionistas minoritários detêm 29,5% do capital acionário da
empresa, cujo faturamento cresceu de R$ 4,3 bilhões para R$ 170 bilhões
em dez anos de governo petista, tornando-se a maior companhia de
proteína animal do mundo com aportes suspeitos de dinheiro público.
Além de comprarem, de posse de informação privilegiada, às vésperas do
vazamento da delação, no mercado, cerca de US$ 1 bilhão, auferindo
lucros estratosféricos, os irmãos Batista venderam recentemente cerca de
R$ 300 milhões em ações da própria JBS. Tais negociações, realizadas
durante as tratativas de delação com o Ministério Público Federal, se
confirmadas, configurariam crime de insider trading previsto no artigo
27-D da Lei 6.385/76.
A quebra do dever de sigilo e o uso de informações privilegiadas sobre o
fechamento do próprio acordo de delação, visando a obter lucro no
mercado financeiro superior ao valor da multa firmada com o MPF,
reforçam a crítica de que o MPF acabou permitindo que colaborações
premiadas se transformem em negócios lucrativos para os criminosos.
Assim, foram ludibriados o MPF e os acionistas minoritários da JBS, até
mesmo o BNDES e a Caixa Econômica Federal, que, sem acesso às
informações privilegiadas, amargaram os prejuízos da desvalorização das
ações que detêm.
Os Batista ainda insistem em dar as cartas ao recusar o acordo de
leniência de R$ 11 bilhões proposto pelo MPF à J&F, correspondente a
apenas 5,8% do faturamento da empresa em 2016, a serem pagos em dez
anos. Era o acordo do século, considerando-se os lucros realizados no
mercado, a anistia pelos ilícitos investigados e que a Lei 12.846/13
permite multa de até 20% do faturamento. Não surpreenderá se os Batista
contratarem mais ex-procuradores para defender a J&F das acusações
nas ações judiciais.
Não é a primeira vez que o MPF falha ao negociar delações,
transformando-as em verdadeiro prêmio para os criminosos, na contramão
de práticas de outros países. No acordo com o doleiro Alberto Youssef
foi incluída espécie de “cláusula de performance” que lhe atribuiu 2%
dos valores de origem ilícita que ajudasse as autoridades a recuperar.
Tal arranjo assemelha-se a bônus de pagamento usualmente oferecido a
altos executivos do mercado financeiro. Mas há singela diferença: os
executivos ganham sobre os lucros lícitos que geram e não sobre o
produto do crime que ajudaram a desviar.
Os crimes concomitantes às tratativas neste caso requerem que o acordo
de colaboração premiada seja anulado. Uma operação que visa a combater
seriamente crimes associados à corrupção não pode permitir que
criminosos fiquem soltos e se locupletem com o produto do crime. Nem
pode sinalizar à sociedade brasileira que o crime compensa.
Os Batista mudaram para os Estados Unidos. Na ânsia de adentrar no cume
do poder político e produzir provas contra o atual presidente, o MPF,
com a bênção do Supremo Tribunal Federal, conseguiu lhes entregar
oficialmente e de bandeja a realização do “sonho americano”.
*DOUTORA EM DIREITO PELA USP E PROFESSORA (MPGC-FGV). LECIONOU NAS
UNIVERSIDADES DO TEXAS, CORNELL E VANDERBILT E FOI PESQUISADORA EM
STANFORD E YALE
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
0 comments:
Postar um comentário