Eliane Cantanhêde - O Estado de São Paulo
Por convicção, raiva ou puro cálculo político? Talvez por tudo isso, o político brasileiro que mais acidamente confronta o ex-presidente Lula e lucra diretamente com a implosão dele, de Dilma Rousseff e do PT na Justiça é o prefeito de São Paulo, João Doria, que é do PSDB, mas de um PSDB, digamos, diferenciado.
Apesar disso, e de ter liderado o movimento “Cansei” na época do mensalão petista de 2005-2006, Doria não defende a condenação e muito menos a prisão de Lula agora. Católico praticante, ele prefere outra cronologia, mas não por condescendência nem por fé cristã e sim por pragmatismo: “O Lula precisa ser derrotado antes nas urnas, para então se tornar apenável”.
Ele destrincha o próprio raciocínio: se Lula fosse preso agora, usaria isso a seu favor, posaria de vítima, mobilizaria boa parte da sociedade brasileira e até líderes internacionais. E ainda abusaria da versão de que só estaria sendo preso para não poder voltar à Presidência. “Um novo golpe”, gritariam os petistas.
Com um sorriso sarcástico, Doria provoca: “Deixem o Lula concorrer e ser derrotado. Ele precisa ser condenado primeiro pelo povo e só depois pela Justiça, não o contrário. É assim que ele tem de entrar para a história”, disse o prefeito, durante almoço na Prefeitura de São Paulo, na quinta-feira, dia seguinte ao depoimento de Lula ao juiz Sérgio Moro e aos procuradores.
Fica implícito que Doria se prepara para ser ele o autor da façanha de derrotar nas urnas o presidente mais popular da história recente do País e atual líder isolado nas pesquisas para 2018. Nesse campo, o incisivo Doria mede as palavras, mas dá o recado: “Eu não me apresento, mas não me ausento”.
O grande problema do partido era o excesso de presidenciáveis, mas com a Lava Jato passou a ser o oposto: Serra e Aécio foram atingidos no peito e Alckmin, por enquanto, no joelho. Se Alckmin correr para a Presidência, Doria estará fora. Mas, se claudicar e desistir, o prefeito estará pronto para pegar o bastão.
Quando a porta da sala de almoço se abre, Doria já entra saltitante, craque no marketing pessoal e lapidando, ele próprio, o perfil do candidato: jovial e ágil aos 59 anos, trabalhador e empreendedor, o bom moço que não leva desaforo para casa, mas não fala palavrão, um homem do futuro. A política e os políticos envelheceram e Doria quer ser “o novo”, a opção de centro, contra os extremos e maracutaias, o melhor prefeito da maior cidade, o que converge investimentos públicos e privados para o bem comum e aponta para educação, ciência, tecnologia e sustentabilidade.
Deliciado, mostra um vídeo direto, simples e eficaz do novo presidente da França, Emmanuel Macron, conclamando os ambientalistas do mundo para se reunirem no país. “Fantástico, né?”. Outra referência é o magnata e ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, que ele visita agora em Nova York, onde recebe o prêmio “Person of the year”, da Câmara Brasil-EUA.
Bloomberg “saiu da zona de conforto e foi para o front”. Ou seja, saiu do fantástico mundo privado para se aventurar pelas agruras da vida pública. A diferença é que Bloomberg foi prefeito bem-sucedido e deu-se por satisfeito. Doria precisa ainda passar das promessas aos resultados e, depois, não se dará por satisfeito tão cedo. O céu é o limite.
Com Lula e a esquerda nocauteados, o PSDB zonzo, a rejeição a Bolsonaros, a falta de confiança na viabilidade de Marina, o temor ao destempero de Ciro, Doria passa a imagem de “sim, eu posso” e a sensação de que ele cabe como uma luva no momento, nesse clima de fim de uma era. Mas isso é só o começo. Entre a vontade e a realidade, muita água vai rolar, trazendo paus, galhos e pedregulhos.
extraídaderota2014blogspot
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