por Felippe Hermes
O que você faria com 3,9 bilhões de reais todos os anos? Na ponta do lápis, este é todo o valor que
o Ministério da Saúde investiu em novos hospitais, ambulâncias e
equipamentos para o SUS num intervalo de doze meses. É muita grana, não?
3,9 bilhões de reais é também o atual valor repassado anualmente aos 17
mil sindicatos brasileiros, por meio do imposto sindical obrigatório,
extinto esta semana pelo Congresso com a reforma trabalhista.
As
consequências são inevitáveis. Seriamente afetadas pela decisão, as
principais centrais sindicais do país estão neste momento realizando
uma greve geral – a primeira em mais de duas décadas.
Desde o impeachment, aliás, greve geral é
uma expressão que voltou ao vocabulário político brasileiro. Neste
período, apenas a Central Única dos Trabalhadores, que você
repetidamente testemunhou em atos contrários à saída de Dilma do
Planalto, publicou nada menos do que 33 pedidos de convocação de uma
greve geral em seu site.
Mesmo
centrais sindicais supostamente favoráveis ao atual governo encontram-se
alinhadas à ideia de greve, como é o caso da Força Sindical. Seu
presidente, Paulinho da Força, além de ex-integrante da tropa de choque
de Eduardo Cunha, se notabilizou pela extensa campanha contrária ao fim
do imposto sindical nas últimas semanas.
Lado a
lado, centrais sindicais rivais encontraram no momento atual uma forma
de pressionar o governo, cada qual a seu modo. Junto delas, sindicatos
dos mais variados nichos de atuação – incluindo o de professores e boa
parte dos que atendem o funcionalismo público, os mais afetados pelas
mudanças nas regras da previdência.
O certo é
que, independentemente de quantas pessoas ou categorias estejam nas ruas
neste momento, não é de se espantar que cada um, à sua maneira, esteja
lutando pelos seus interesses e privilégios. Mas esse é apenas um lado
da história. Há algumas coisas que todos esses grupos acabaram
esquecendo de contar para você na hora de tentar convencê-lo a partir
para uma greve. E é exatamente esse papel que nós desempenharemos no
decorrer deste texto.
1) Não, o seu salário não depende da boa vontade de um político.
Você
alguma vez já se perguntou por que o governo não determina que o salário
mínimo seja de R$ 3.200 por pessoa? É um bom salário, não? Com este
valor, segundo o DIEESE, seria possível atender todos os pré-requisitos,
estabelecidos pela constituição, a que um cidadão tem direito. Num país
onde mais da metade da população ganha 1/3 desse valor, não é difícil
imaginar que um aumento desses representaria um ganho significativo de
qualidade de vida, não é mesmo?
Não exatamente.
A primeira
coisa que você deve entender sobre essa história é que,
independentemente de o governo criar um piso artificial numa única
canetada, prometendo resolver a vida dos trabalhadores brasileiros, salários ainda dependem do que podemos fazer com eles.
Pense no
que ocorreria, por exemplo, se todos passassem hoje a ganhar R$ 3.200 e a
quantidade de bens e serviços produzidos no país continuasse a mesma –
algo que não é possível alterar da noite para o dia. Não é muito difícil
perceber que o preço dos bens e serviços subiria, para atender a
demanda criada pelo aumento salarial artificial, corroendo nossa moeda
até igualar o novo nível de dinheiro ao nível de bens e serviços – e
quem tem mais tem de trinta anos sabe na pele o que estou falando:
inflação. É dinheiro de mentirinha. Uma falsa sensação de que você está
ganhando bem.
Isso
ocorre porque, em última instância, o salário de um indivíduo está
ligado à sua produtividade. Na sociedade, a capacidade de elevar os
salários esbarra justamente em existir espaço para esta elevação. Em outras palavras: se a produtividade não crescer é impossível continuar elevando a renda.
O que
determina essa tal produtividade? Fatores como educação e a quantidade
de recursos investidos por pessoa são fundamentais para determinar o
quanto cada indivíduo é capaz de produzir em riqueza. E este é um dos
maiores problemas do Brasil.
Há quatro décadas, nossa produtividade está praticamente estagnada – ou seja, cresce nada ou muito perto disso. Na
prática, um trabalhador brasileiro do século vinte e um permanece com o
mesmo nível de produtividade de um trabalhador dos anos setenta.
O que isso
tudo significa? Que a simples vontade política não é um fator
determinante na elevação da renda de uma pessoa. Ou seja: por mais
interessado que um político esteja em aumentar o seu salário, ele não
pode fugir dessa realidade.
2) No Brasil, abrir um sindicato é um negócio (e dos mais lucrativos).
Todos os anos, faça chuva ou faça sol, surge no país um novo sindicato num intervalo de apenas dois dias. E entender por que isso acontece não é muito difícil.
Desde
1937, quando Getúlio Vargas publicou a constituição que respaldaria sua
ditadura, uma contribuição sindical tornou-se obrigatória
independentemente do fato de você estar filiado a um sindicato ou não.
Desde então, cada cidadão é obrigado a contribuir com os sindicatos pelo
valor de um dia do seu trabalho durante o ano.
Na soma, R$ 3,9 bilhões,
como citado no início desse texto, que atendem desde a CUT e os
sindicatos mais conhecidos – como o Sindicato dos Comerciários – aos
mais surreais, como o Sindicato das Indústrias de Roupas para Homens e
Camisas Brancas do Estado de São Paulo ou o Sindicato de Trabalhadores
de Entidades Sindicais (vulgo sindicato dos que trabalham em
sindicatos).
Segundo
dados do Ministério do Trabalho, nada menos do que um em cada cinco
sindicatos do Brasil nunca participaram de uma negociação coletiva. O
que significa, em outras palavras, que nunca atuaram para representar
aqueles que os financiam. Na prática, isso pouco importa. Continuam
recebendo.
3) Mais direitos trabalhistas não é algo que necessariamente significa uma renda maior para os trabalhadores.
O que leva
um mexicano a abandonar um país onde ser demitido é pode render uma
indenização equivalente a 74 semanas de trabalho para um país onde
sequer existe aviso prévio, férias ou qualquer destes benefícios
trabalhistas comuns, como os Estados Unidos? Ou ainda: o que leva 4
milhões de indonésios, o país onde é mais difícil demitir uma pessoa em
toda a Ásia, a viverem em outras países do continente, como em
Cingapura, um país onde sequer existe lei de salário mínimo?
Por que um
espanhol abriria mão de um país onde o salário mínimo chega a 825 euros
por mês, para migrar para a Dinamarca ou Suíça, países onde salário
mínimo não é previsto em lei?
Perguntas
como essas soam complicadas a muitos trabalhistas, mas revelam algo bem
sugestivo sobre a vida laboral: para a maior parte dos trabalhadores é
mais importante ter condições de receber uma boa renda do que
ter garantia em lei de continuar recebendo algo em um emprego estável
– leis que muitas vezes garantem apenas subdesenvolvimento.
Mais
importa conseguir ampliar sua renda em países como o Canadá, a
Austrália, Cingapura ou os Estados Unidos, onde, segundo o Banco
Mundial, é mais fácil demitir uma pessoa sem complicações, do que
amarrar-se às legislações de países como França, Itália ou Brasil, os
três onde mais se paga impostos sobre o trabalho no mundo.
Na
prática, o que qualquer um que imigre em busca de trabalho percebe é que
muito mais do que escrever palavras e direitos em um papel, é preciso
criar oportunidades – sem isso, a palavra escrita em uma constituição,
por mais bonita que seja, perde o valor.
4) Nenhum sindicato convocou greve geral quando o governo achou razoável aumentar sua dívida para repassar R$ 523 bilhões a grandes empresários.
Pode
parecer estranho que o país tenha levado quase duas décadas para ver uma
nova tentativa de se convocar uma greve geral – afinal, durante os
primeiros cinco anos pós-ditadura, tivemos nada menos do que três greves
bem sucedidas. Para quem acompanha de perto a política e a economia
brasileiras, não é difícil citar momentos em que a situação tornou-se
alarmante e mereceu atenção das centrais sindicais.
Em um dos
momentos recentes de maior relevância, o governo decidiu colocar-se no
centro da economia, tornando-se responsável por mais da metade do
crédito no país. E fez isso de uma maneira muito simples: aumentando sua
própria dívida.
Ao definir
quem recebe tais empréstimos, de maneira subsidiada – ou seja, pagando
juros menores do que a própria inflação – cerca de 70% dos beneficiários
foram justamente as grandes empresas.
Em outras
palavras: um grande esquema que endividava a população e transferia
dinheiro às empresas mais ricas do país. E a pergunta que não quer calar
agora é: onde estavam os grandes sindicatos nesse tempo todo?
O presidente da CUT, Vagner Freitas, estava no conselho do BNDES, o banco que aprovava cada uma destas ações.
Para isso, recebeu valores que podem chegar até R$ 23 mil mensais. Nada mal, hein?
5) O conflito entre Cidadão x Estado é tão ou mais importante que o embate entre empregado e empregador.
No papel,
um sindicato existe para proteger os direitos dos trabalhadores. Na
prática, o único conflito intermediado por parte dos sindicatos parece
ser aquele que se origina junto aos empregadores. Conflitos eventuais
entre os trabalhadores e o governo têm pouca ou nenhuma relevância.
Como
mostrou uma pesquisa recente da Fundação Perseu Abramo, ligada ao
Partido dos Trabalhadores, para boa parte da população que vive na
periferia de São Paulo, o debate entre o cidadão e o Estado é bastante
presente.
No país
onde mais se paga imposto sobre o trabalho no mundo, exatos R$ 57,56 a
cada R$ 100 em salários, não há em Brasília um único sindicato ocupado
em tentar mudar esta realidade – deixando uma parte maior do seu salário
no seu bolso e não nos cofres do governo. Não há também sindicatos
preocupados em ampliar o retorno do seu FGTS, que entre 1999 e 2015 teve
um prejuízo de R$ 229 bilhões acumulados.
Há cinco
representantes de sindicatos no conselho do FGTS, recebendo remunerações
que podem chegar a R$ 7 mil, para comparecimento a uma única reunião
mensal.
Exemplos como este se espalham por toda a administração pública.
Ao
contrário dos acertos entre Emílio Odebrecht e sindicalistas para
impedir manifestações em suas obras, porém, nada disso é escondido ou
tratado como indecoroso. Trata-se de sindicalistas cumprindo seu dever:
ser rigoroso junto aos empregadores, e fingir que nada ocorre de errado
na relação trabalhador-governo.
6) Nenhum deles apresentou alternativas à reforma da Previdência.
Reformar a
Previdência não é exatamente uma ideia nova. Desde o governo Collor,
todos os governantes buscaram mudar uma ou outra regra para reduzir o
custo a ser pago pelo crescimento do gasto previdenciário no longo
prazo. Mas foi a partir do governo FHC que as reformas se tornaram cada
vez mais duras.
No governo
Lula, pensões para filhas de militares tornaram-se coisa do passado. No
governo Dilma, aposentadoria integral deixou de ser uma realidade para o
funcionalismo público.
Em comum, mesmo nos governos com forte apoio por parte de centrais sindicais, há uma completa apatia junto ao debate.
Em todos estes casos, sindicatos do funcionalismo público opuseram-se à
mudança, tal qual fazem hoje, quando Temer propõe tornar o teto do
serviço público igual ao teto do setor privado.
Não
há até aqui, em mais de duas décadas, nenhuma reforma que tenha sido
apoiada por parte de sindicatos, em especial pelos sindicatos do
funcionalismo.
Ainda que em 2015, 1 milhão de funcionários públicos tenha tido um déficit igual ao de 28 milhões de membros do INSS, em nenhum momento, qualquer destes sindicatos apresentou uma solução para o problema.
Trata-se
de um debate onde um lado propõe soluções – algumas longe de serem boas
para a economia brasileira, é verdade – enquanto o outro age sempre
fazendo campanha contra, independentemente da pauta.
No fim, perdem todos que ainda acreditam que é possível encontrar soluções por meio do debate.
7) Para os sindicatos, a solução dos seus problemas pode ser Renan Calheiros.
A
aprovação da reforma na Câmara dos Deputados parece ter mostrado a
fraqueza dos sindicatos em articular apoio junto aos congressistas. Uma
derrota histórica, no entanto, que põe fim a um imposto de oito décadas
que mantém irrigado todo o sistema de sindicatos do país, não é algo que
ocorreria sem contestação de alguns políticos.
Pensando
nisso, CUT, GGT, Força Sindical e outras representantes sindicais foram
ao Senado Federal em busca de apoio. Por lá, encontraram Renan Calheiros, agora oficialmente de oposição ao governo federal, ainda que do mesmo partido.
Tal qual
Cunha, para estas centrais, o apoio de alguém com poder e influência,
que rejeita o próprio partido e lança-se na oposição, parece uma
centelha de esperança.
Para ter
certeza de que Renan poderá de fato mudar algo a essa altura do
campeonato, no entanto, é necessário que as centrais sindicais cumpram
sua parte e demonstrem força na realização da greve.
Para os sindicalistas presentes, Renan continua sendo o “líder de todos nós”, independentemente de seus nove processos em tramitação no STF.
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