Editorial do Estadão
Com a Lava Jato cada vez mais no encalço dos políticos, especialmente depois das 77 delações de executivos e ex-executivos da empreiteira Odebrecht, o tema do caixa 2 voltou à tona, com uma incrível variedade de teses e argumentos. Há quem queira, por exemplo, fazer coro com o PT, que, desde os tempos do mensalão, tenta relativizar a prática, tratando-a como se fosse mero pecadilho contábil, sem maiores consequências para o País e para a democracia. Corrupção e caixa 2 seriam mundos completamente distintos.
Noutro espectro ideológico, há quem considere que os indícios encontrados pela Lava Jato demonstram cabalmente, sem necessidade de outras provas, que toda a política nacional está corrompida e que é preciso derrubá-la de alto a baixo. Aos que labutam nessa trincheira, caixa 2, propina e corrupção seriam fenômenos equivalentes, todos eles demonstrando como o poder privado subverte a política nacional. Nessa visão das coisas, qualquer tentativa de distinguir as variadas condutas envolvidas é pura e simplesmente manobra para a impunidade.
Se na posição petista a separação entre corrupção e caixa 2 é absoluta – fazendo crer que essa última poderia ser legítima, dependendo dos fins ideológicos para os quais é destinada –, na posição oposta, não há qualquer linha limítrofe. A tudo é atribuído o genérico conceito de propina. Sob essa lógica, toda e qualquer doação empresarial tem contornos de propina. Basta que o político atue conforme o interesse do doador para se comprovar, aos olhos desse pessoal, a existência de uma perversão da democracia.
Há ainda quem fale em “caixa 2 do bem”, que seria tão somente caixa 2, e o “caixa 2 do mal”, que comportaria corrupção. Não se sabe bem qual critério deva ser utilizado para levar a cabo essa diferenciação. Para tanto, há diversas teorias, umas mais tendentes a conceder algum tipo de anistia, outras com um claro viés condenatório, como se a salvação nacional exigisse devastar o que aí está, para então fazer brotar um mundo novo.
Num cenário assim, é natural que a população, escaldada como está por tantos escândalos, fique ressabiada e tenha receio das tramoias do mundo político. Na dúvida, parece que seria preferível condenar todo mundo, já que no meio político, assim diz a fama, não há inocentes.
Na verdade, o debate sobre o caixa 2 é um falso problema. Todas essas posições, que parecem tão díspares entre si, têm um denominador comum. Seu fundamento não é a lei, e sim as variadas opções políticas de seus defensores. Em último termo, são criações arbitrárias, já que o seu critério para distinguir o certo do errado não é a lei, mas a vontade – o arbítrio – de cada um.
Não é segredo que há muita corrupção na política brasileira. A Operação Lava Jato vem ajudando a desvelar um pouco da dimensão de toda essa sujeira. Além de conseguir que parte do dinheiro desviado seja devolvida aos cofres públicos – coisa inusual no Brasil –, a operação tem obtido provas concretas para condenar os corruptos, sejam políticos, empreiteiros ou funcionários de estatais.
Não é preciso mudar a lei nem criar, a partir da posição política de cada um, novas leis. Basta aplicar a lei existente, em seus respectivos âmbitos. Os casos da Lava Jato, por exemplo, têm muitas vezes consequências administrativas, eleitorais, penais e concorrenciais. Estão eles submetidos, portanto, a uma legislação que já fornece critérios precisos sobre o que é legal e o que é ilegal.
As revelações da Lava Jato não exigem repensar toda a legislação, como querem alguns políticos e alguns procuradores, cada um com seu intuito. A Lava Jato requer tão somente uma aplicação exemplar da lei, sem inventar anistias e sem inventar condenações. Não é preciso complicar nada com novas elucubrações. Que se investigue e se apure. Quando houver prova conclusiva, que os réus sejam condenados. Quando não houver prova, que sejam absolvidos. Simples assim, exatamente como manda o Estado Democrático de Direito, cujo único critério legítimo é a lei. O que foge disso cai no terreno da arbitrariedade.
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