Denis Lerrer Rosenfield: O Globo
Analisando o cenário político, torna-se inevitável utilizar conceitos
militares: a elite da classe política está sendo dizimada. Os mais
importantes partidos estão envolvidos nas delações agora vazadas e
tornadas públicas. PT, PMDB, PSDB, PRB, PP e outros foram delatados, a
partir de depoimentos bastante verossímeis, cujas provas serão, logo,
apresentadas.
Ex-presidentes entraram também na lista com grande destaque para os
ex-mandatários Lula e Dilma. O primeiro terá pouquíssimas chances de
tornar-se candidato novamente, apesar de sua demagogia e das estridentes
defesas de seus advogados diretos ou indiretos. Oito ministros do
presidente Temer foram acusados, levantando uma pesada sombra sobre o
seu governo. Seu afastamento da sociedade tende a aumentar se mantiver o
atual status quo. Um terço do Senado foi acusado e um expressivo número
de deputados, embora proporcionalmente menor.
Como pode um país seguir adiante com tal falta de representatividade de
sua classe política? A sociedade não se reconhece em seu governo nem em
seus parlamentares. Na verdade, nem os considera “seus”, mas “deles
mesmos”, por estarem envolvidos na corrupção, agindo de costas e à
revelia do conjunto da nação. Desconhecem, mesmo, o significado do bem
coletivo, do que é a coisa pública.
É bem verdade que estamos na etapa de abertura de inquéritos, devendo
ser ainda decidido quem é culpado ou inocente. Não se pode prejulgar
juridicamente o desenlace das denúncias e julgamentos posteriores. A
defesa dos envolvidos, por sua vez, é mais do que precária, todos
repetindo o mesmo mantra de que são inocentes ou de que não foram ainda
julgados, poucos voltando-se para um real esclarecimento dos fatos que
os incriminam.
Um olhar desavisado tenderia a dizer que todos são santos e todos os
delatores mentirosos, como se estes, por sua vez, não corressem o perigo
de perder os benefícios da colaboração premiada por não respeitarem a
verdade. Os políticos só aumentam a sua falta de credibilidade. Não
transmitem confiança à sociedade. E, ao fazê-lo, propiciam um julgamento
político, irreversível, de que seriam culpados. Seriam péssimos atores.
A sociedade clama por mudanças e reafirma com força a moralidade
pública, valor este que ela percebe como inexistente em nossos
governantes e representantes.
Acontece que o país não pode parar. Se o fizer, acoplar-se-á a esta
enorme crise política, uma crise econômica e social, isto quando
começamos a observar certas tendências que estão revertendo a curva no
que diz respeito à inflação, o PIB, investimento e desemprego.
Tudo é ainda muito incipiente, continuando tributário das turbulências
políticas. Em pouco tempo, o novo governo muito fez na área
socioeconômica, embora pouco tenha apresentado no quesito da moralidade
pública. Vivemos um impasse que pode se traduzir tanto por um avanço
quanto em uma reversão das expectativas.
As reformas aprovadas pelo governo Temer, como as do Teto do Gasto
Público e da Terceirização, são estruturantes no que diz respeito ao
presente e futuro do país. Devem ser necessariamente complementadas pela
da Previdência e pela Modernização da Legislação Trabalhista. Se estas
não ocorrerem pela crise política, não apenas o governo fragiliza-se,
mas o país terá sérios problemas, ainda mais agudos, nos próximos anos.
Qualquer que seja o próximo presidente, de “esquerda” ou de “direita”,
deverá ele enfrentar inevitavelmente essas questões. Melhor fazê-las
agora pois o seu custo será menor, aumentando com o correr do tempo e
com as inércias governamentais, políticas e partidárias. O resto é mera
encenação demagógica.
Dentre os sérios problemas do atual governo encontra-se o seu déficit de
comunicação, não tendo conseguido transmitir à sociedade a necessidade
destas mudanças. Termina consolidando-se na opinião pública a ideia de
que elas ferem “direitos” e seriam de natureza “neoliberal”. Os
eleitores, capturados pela desinformação, exigem de seus parlamentares,
por exemplo, que votem contra a “Reforma da Previdência”. Tal discurso
termina por aprofundar esta percepção, como se tudo dependesse de
vontade política na distribuição dos recursos públicos.
Na perspectiva da esquerda e de uma direita irresponsável, toda a
discussão passa a ocorrer na estrita esfera distributiva, não levando em
conta a produtiva. Discute-se a ampliação dos benefícios sociais, os
ditos “direitos” das corporações, a criação de novos privilégios e assim
por diante, como se os recursos do Tesouro fossem inesgotáveis. A luta
pode tornar-se mesmo encarniçada entre as corporações incrustadas dentro
do Estado e o restante da população, que não goza dos mesmos
benefícios. Os dispêndios do Estado logo se tornam muito superiores às
suas receitas, levando a uma situação de insolvência que, por sua vez,
agudiza ainda mais os conflitos sociais.
As políticas públicas, e os partidos, deveriam estar, então, mais
voltados para as condições de produção de riquezas, de tal maneira que
os recursos à disposição do Estado possam também aumentar. Quanto mais
rica for a sociedade, maior será a sua capacidade distributiva. Quando
mais insistir em um distributivismo social sem amparo produtivo, menor
será a sua própria capacidade distributiva, além de hipotecar a riqueza
presente e a futura.
Criam-se, assim, condições de asfixia da capacidade produtiva, que
seriam concretizadas por aumentos de impostos e contribuições voltadas
para financiar os déficits previdenciários.
O Estado de Bem-Estar, também dito Previdenciário, deve enfrentar o
problema de financiamento da sua Previdência, uma vez que o seu
crescimento exponencial não cabe mais dentro de suas disponibilidades de
financiamento. Não se trata, como se alardeia, de um problema de
“direitos”, mas de como o Estado seja capaz de gerir os seus recursos. O
bolo é limitado. Uma fatia maior para a Previdência significa fatias
menores para saúde, esgoto, educação e habitação.
extraídaderota2014blogspot
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