Gil Castello Branco: O Globo
Para muitos historiadores, a corrução brasileira é um legado do período
colonial. Tem origem nos precursores da colonização, entre os quais
portugueses deportados após cometerem crimes em Portugal. As capitanias
hereditárias, concebidas em um modelo feudal, atraíram aventureiros que
só pretendiam enriquecer rapidamente, pois os donatários com plenos
poderes exploravam a terra, os habitantes, faziam e aplicavam as leis.
Ainda nas primeiras décadas após o descobrimento, começaram a chegar os
escravos, trazidos compulsoriamente da África em navios negreiros. O
Brasil, diga-se de passagem, foi um dos últimos países do mundo a abolir
a escravidão.
Há pouco mais de um século, Rui Barbosa já se preocupava com as
nulidades, a desonra, a injustiça e o poder crescente nas mãos dos maus.
Em frase célebre, preconizou que o homem chegaria a desanimar da
virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.
A tanto não chegamos, felizmente. A enorme maioria dos brasileiros está
chocada e enojada com tudo o que viu e ouviu nos últimos dias. Por outro
lado, parodiando Rui Barbosa, chegamos ao momento em que o homem não
tem vergonha de ser corrupto. Os delatores falam sobre seus crimes com
extrema naturalidade, com arrogância e até com orgulho, sem qualquer
constrangimento ou arrependimento. Se estão regenerados, não demonstram.
A podridão é tal que estamos surpresos com o que, na essência, já
sabíamos. No meio do lamaçal estão citados 415 políticos de 26 partidos,
incluindo cinco ex-presidentes (Sarney, Collor, Fernando Henrique, Lula
e Dilma) e o próprio Temer, que só não será investigado em decorrência
dos fatos serem anteriores à sua posse. Os valores são estarrecedores.
Apenas com os R$ 10,3 bilhões que a Odebrecht movimentou no seu
Departamento de Propinas, poderíamos, por exemplo, construir 5,4 mil
creches para atender 800 mil crianças, ou mais de cinco mil Unidades de
Pronto Atendimento (UPAs), na área da Saúde.
A safadeza não tem ideologia, vai da extrema-direita à extrema-esquerda e
envolve os governos federal, estaduais e municipais. A impressão que
temos é que onde há “governo”, há corrupção. Os políticos e autoridades
foram subornados para a celebração de contratos, para a realização de
obras, para a edição de Medidas Provisórias e para a aprovação de Leis. O
crime organizado se apropriou do Estado.
Na Constituição Federal há diversos artigos sobre os controles internos e
externos da administração pública. Daí derivam quilos de leis,
inclusive sobre transparência e responsabilidade fiscal, vários órgãos e
inúmeras secretarias para fiscalização e controle, uma legião de
burocratas, comissões, conselhos fiscais e de administração. Ainda
assim, fomos roubados por uma dúzia de empresários desonestos e centenas
de políticos corruptos, com a omissão e a cumplicidade de muitos.
A pergunta que não quer calar é por que as instituições não funcionaram?
Os sistemas de controle interno e externo precisam ser reestruturados?
Afinal, por que esta robusta estrutura não foi capaz de deter o
italiano, o primo, a amante, o drácula, o comprido, o boca mole, o
nervosinho, o próximus, o caranguejo, o amigo e tantos outros?
Sem dúvida, dentre as instituições que não cumpriram o seu dever estão
os Tribunais de Contas. A preponderância de critérios políticos sobre os
técnicos na indicação de ministros e conselheiros é uma das razões.
Muitas dessas Cortes, a começar pela do Rio de Janeiro, foram capturadas
por grupos políticos e se tornaram omissas e lenientes, desrespeitando
criminosamente pareceres fundamentados dos auditores. Assim sendo, urge a
aprovação da PEC 329/2013, que altera a forma de composição dos
tribunais, e da PEC 40/2016 que aprimora o funcionamento dessas Casas. É
agora ou nunca.
O momento seguinte à perplexidade diante de fatos tão graves será o da
cobrança por agilidade nas investigações, nas denúncias e nos
julgamentos. A percepção de que nas primeiras instâncias a celeridade é
muito maior do que no Supremo Tribunal Federal tende a crescer. O STF
não tem, no momento, estrutura para enfrentar essa avalanche de
processos e precisa se organizar para não sair desmoralizado.
É conhecida a frase: “Tanto rouba o que vai à horta como o que fica à
porta”. Nesse cenário pútrido, as instituições precisam funcionar na sua
plenitude. As respostas precisam estar à altura da indignação da
sociedade. Precisamos resolver os nossos problemas. As raízes da
corrupção brasileira remontam ao período colonial, mas já se vão cinco
séculos e não parece justo continuar a culpar os patrícios.
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