editorial da Folha de São Paulo
Após dois anos de debates, a terceira versão da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) comprova o dito de que a luz do sol é o melhor desinfetante. Melhorou de forma considerável o documento que dará clareza a professores e pais sobre o que cada aluno tem o direito de aprender e a escola tem obrigação de ensinar.
Enquanto era discutido em comitês fechados, o texto acumulou distorções de fundo ideológico. Entre os pontos controversos despontavam os objetivos de aprendizado de língua portuguesa, com certo desprezo por gramática e redação, e de história, em que se negligenciavam processos importantes ocorridos no Ocidente.
Tais defeitos se concentravam na parte da BNCC referente ao ensino médio, que não integra o documento veiculado nesta quinta-feira (6), voltado ao nível fundamental. O tomo da base sobre o nível médio deve ficar pronto em um ano, em consonância com a reforma em curso nessa etapa de ensino.
Quanto ao fundamental, observam-se relevantes aperfeiçoamentos. Fixou-se que a alfabetização deve terminar no segundo ano, não mais no terceiro (até os oito anos), objetivo que especialistas consideravam leniente.
Deu-se mais atenção à ordem temporal em história, à redação em língua portuguesa e à estatística em matemática. Incluiu-se a necessidade de reflexão sobre uso de tecnologias e redes sociais.
Retirou-se a menção ao ensino religioso, que a própria Constituição define como facultativo e, portanto, não deve sobrecarregar um currículo nacional obrigatório.
O Conselho Nacional de Educação tem um ano para realizar cinco audiências públicas sobre a BNCC. Seria bom que aproveitasse o período e os novos debates para encetar novas correções.
Recomenda-se incluir alguma referência à programação de computadores, decisiva na produção e organização do conhecimento.
Seria útil, ainda, esclarecer o confuso episódio de corte das menções a orientação sexual e identidade de gênero; não que tais noções sejam cruciais, mas uma base consensual não se constrói sem um mínimo de transparência.
Mesmo depois de chancelada, a base ainda terá longo caminho antes de se concretizar e induzir a ansiada melhora do aprendizado.
Projeta-se, por exemplo, que o ensino de ciências seja mais experimental, mas só 10% das escolas públicas contam com laboratórios; sem eles, apenas um bom treinamento de professores permitirá o uso eficaz dos recursos disponíveis.
Percalços e dificuldades da educação nacional continuarão sendo muitos, mas ao menos o país disporá de um ponto de partida mais sólido e de uma noção mais clara do objetivo que pretende atingir.
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