Editorial do Estadão:
A situação na Venezuela vai assumindo tons cada vez mais dramáticos. O regime chavista não apenas mergulhou o país numa profunda crise política, econômica e social. Ao mesmo tempo, vai fechando, um a um, os poucos caminhos que ainda restam para uma saída pacífica. O governo do presidente Nicolás Maduro, que controla de fato todas as instituições, cerca a oposição por todos os lados para se manter a qualquer custo no poder, contando para isso também com a força bruta e a astúcia para conter a crescente revolta contra o estado de penúria em que vive a população.
Aos poucos, de forma fria e metódica, Maduro neutralizou a Assembleia Nacional, onde os partidos de oposição conseguiram maioria, forjando acusações na medida de suas necessidades. As medidas mais recente tomadas pelo governo, por meio do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), foram o fim da imunidade dos parlamentares, deixando-os à mercê de juízes que também rezam por sua cartilha, e, logo em seguida – a mais escandalosa delas –, a usurpação pelo próprio TSJ dos poderes da Assembleia. Pouco importa que, ante a péssima repercussão internacional, o TSJ tenha recuado. Amanhã, do mesmo jeito, e sempre às ordens de Maduro, ele pode restabelecer a usurpação.
A última do regime foi usar a Controladoria-Geral da República para inabilitar o principal líder da oposição, Henrique Capriles, a disputar eleições por 15 anos, com base em acusações de irregularidades na administração do Estado de Miranda, do qual é governador. A impopularidade do governo dava a Capriles grande possibilidade de vitória nas eleições presidenciais de 2018. Na última eleição, de 2013, Capriles, com 49,07%, perdeu por muito pouco de Maduro, com 50,66%.
Em 2014, coisa ainda pior foi feita com outro importante líder oposicionista, Leopoldo López, preso por acusação de incitação à violência em razão de manifestações contra o governo, reprimidas a ferro e fogo, que por isso deixaram um saldo de 43 mortos. Em 2016, López foi condenado a 14 anos de prisão. E líderes do partido governista já sugerem abertamente que o mesmo destino poderá ter Capriles.
Enquanto isso, a crise econômica e o desemprego afundam o país na miséria. A inflação de 2016, de 475%, deve atingir 1.660% este ano, segundo estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo a última pesquisa feita pelas Universidades Central da Venezuela, Católica Andrés Bello e Simón Bolívar, 93% dos venezuelanos não ganham o suficiente para comprar comida. Meio quilo de macarrão custa cerca de 10% do salário mínimo. O quadro humano por trás dessas estatísticas é desolador, como mostra reportagem de Cristiano Dias publicada pelo Estado.
A fome se espalha, com cenas frequentes de pessoas revirando lixo em busca de restos de comida, rara até aí, e por isso muitos já veem o país numa crise humanitária. Incapaz de acabar com a miséria, que só aumenta, o governo resolveu manipulá-la politicamente. Implantou o racionamento e controla os comitês de abastecimento que distribuem os alimentos de primeira necessidade. Quem é flagrado falando mal do governo tem seu registro cassado. Como sempre em situações como essa, surge o mercado negro, também ele controlado por grupos paramilitares ligados ao governo.
Como se tudo isso não bastasse, a situação na Venezuela apresenta ainda um efeito perverso, que acaba por ajudar Maduro. Em vez da esperada revolta contra o regime que dissemina a fome, esta absorve tanto a atenção da população mais afetada que inibe sua participação em protestos. “Quem tem como prioridade encontrar comida para a família não morrer de fome não tem tempo de ir até a Assembleia Nacional protestar contra o governo”, constata Nicmer Evans, dirigente do partido Marea Socialista, de oposição.
Os que escapam dessa armadilha, contudo, ainda constituem uma parcela considerável e cada vez mais aguerrida. Se ela continuar encurralada por Maduro, como tudo indica, o risco de conflito só crescerá.
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