por Ives Gandra e Samantha Meyer-Pflug Marques.
São contas distintas e independentes, o que possibilita a identificação da origem e do destino de todos os recursos captados para financiar a campanha. Cada candidato é individualmente responsável pela arrecadação dos recursos e discriminação dos gastos realizados.
Ora, se a lei obriga que a prestação de contas dos candidatos seja feita em separado, como pode a condenação ser em conjunto? Tal raciocínio contraria frontalmente a lógica cartesiana.
O Tribunal Superior Eleitoral no âmbito estadual e municipal tem aplicado o princípio da indivisibilidade da chapa, mas com abrandamentos. Em face da constatação de que o vice não cometeu nenhuma ilegalidade, a despeito de cassar a chapa deixa-se de aplicar a pena da inelegibilidade. É o que ocorre com Dilma Rousseff e Michel Temer, situação em que restou comprovado que o vice não cometeu qualquer ilícito.
Todavia, não parece coerente que o TSE reconheça a inexistência de culpa do vice-presidente, deixando de aplicar a inelegibilidade, mas derrube a chapa e casse o seu mandato.
A indivisibilidade da chapa, como de resto qualquer princípio, não pode ser aplicada de forma absoluta, sob pena de violar outros princípios constitucionalmente assegurados, como o da personalidade da pena, da segurança jurídica e da proporcionalidade.
O preceito da personalidade consiste na proibição de a pena ultrapassar a pessoa do réu de modo a atingir terceiros. Portanto, não pode o vice receber uma sanção por um ato que não cometeu.
Já a segurança jurídica confere estabilidade aos pleitos eleitorais e às expectativas de todos os que participam das eleições.
A prestação de contas da chapa Dilma/Temer foi inicialmente aprovada pelo TSE com ressalvas e inexistem irregularidades na prestação das contas do vice. Deve-se prestigiar o eleitor e o voto popular.
Impõe-se também que, em face de um aparente conflito entre princípios, leve-se a efeito uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles.
Aplica-se um sopesamento dos valores em conflito, no caso concreto, de modo a encontrar uma decisão necessária, razoável, adequada e menos gravosa ao outro princípio.
A solução menos gravosa e mais eficaz é, sem dúvida nenhuma, apurar as responsabilidades em separado e aplicar as penas individualmente. Não é razoável punir o vice por uma conduta que não cometeu, da qual nem tinha conhecimento.
Também não merece prosperar o argumento segundo o qual não há precedentes no TSE, uma vez que o caso é extremamente singular, pois diz respeito ao julgamento de contas de uma presidente da República que sofreu impeachment e de um presidente legalmente empossado.
Este -nada obstante o difícil quadro político, social e, principalmente, econômico pelo qual passa o país, com preços em alta, desemprego descontrolado e contas públicas com acentuado deficit- já conseguiu reduzir a inflação e começou a recuperar o emprego e a colocar limites aos gastos públicos. O impacto positivo principia a ser sentido.
Ao seguir essa linha de raciocínio, não se poderiam admitir inúmeras decisões proferidas pelo TSE sem que houvesse precedentes.
Está-se diante de um "leading case" (caso paradigma) em que uma eventual e, a nosso ver, improvável decisão contrária geraria novamente instabilidade política, social e econômica, em que a população menos favorecida seria a mais prejudicada.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, advogado, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra
SAMANTHA MEYER-PFLUG MARQUES é professora titular de direito constitucional da Universidade Nove de Julho (Uninove)
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