por Ivanildo Terceiro
Não há dúvida que a Lava Jato é um marco para o país. Até mesmo quem está na cadeia por conta dela concorda: “A Lava Jato está passando o Brasil a limpo”.
Não
é para menos. A operação desnudou um quadro impressionante de corrupção
sistêmica dentro da máquina estatal, em diferentes entes federativos,
promovido por políticos de diferentes partidos em conluio com um cartel
de empreiteiras.
Apesar
da sua atual dimensão, a operação começou de forma quase
despretensiosa. No início, os investigadores da Polícia Federal
procuravam descobrir se um grupo de quatro doleiros estabelecidos no
Paraná estava lavando dinheiro dentro e fora do país. Hoje, a força-tarefa da operação estima que os crimes investigados movimentaram até R$ 10 bilhões em propina.
Um
número tão alto não é pantomímico. Onde a operação procurava por
malfeitos, acabava encontrando. Além da Petrobras, as investigações
revelaram o pagamento sistemático de propinas na Eletronuclear, na construção da Usina de Belo Monte, no conselho curador do Fundo de Investimentos do FGTS (FI-FGTS), nas obras contratadas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, nos contratos entre a Caixa Econômica e
empresas de tecnologia, nos contratos de publicidade do Ministério da
Saúde e bancos estatais, na edição de Medidas Provisórias no Congresso,
na apuração de CPIs e nos empréstimos consignados de servidores federais. A lista não para de crescer. Há indícios de que o mesmo arranjo também foi adotado nas obras do metrô de São Paulo e na construção da Cidade Administrativa do Governo de Minas Gerais.
Com mais de 106 condenações em primeira instância, mais de 1000 anos em penas
a serem cumpridas, pedidos de investigação para um terço do Senado, 39
deputados federais, oito ministros, três governadores, um membro do TCU e
todos os ex-presidentes vivos, a Lava-Jato coleciona inimigos.
Para a Frente Brasil Popular, o único objetivo da operação é criminalizar o PT, apesar das investigações terem colocado desafetos do partido na cadeia e emparedado ministros do atual do governo. A Frente Única dos Petroleiros (FUP), por sua vez, crê que a Lava Jato é uma “operação deliberada para quebrar as empresas nacionais”. No seu turno, Ciro Gomes,
acredita que o juiz Sérgio Moro, responsável por conduzir a operação na
Primeira Instância, estaria preso por “traição” se agisse nos Estados
Unidos do mesmo modo que age aqui.
O Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot vê as coisas de maneira diferente. Para ele,
“quanto mais se combate a corrupção, mais sadio é o mercado”. Ao
combater o conluio entre Estado e grandes empreiteiras, a operação
combate o corporativismo que domina o país, torna a concorrência mais
justa, e diminui o poder que políticos têm de criar dificuldades para
vender facilidades.
Algo
assim não ocorreria sem enfrentar resistências da classe política. A
operação abalou tanto as estruturas de Brasília que conseguiu a proeza
de unir políticos de diversas matrizes ideológicas contra si. Situação
inimaginável durante uma eleição, Lula, Michel Temer, FHC e tantos
outros políticos estão juntos para dar um golpe na Lava-Jato.
1, 2, 3. Lula, Michel Temer e FHC.
Apesar
de não participar das conversas, Michel Temer (PMDB-SP) foi a grande
estrela da gravação do ex-presidente da Transpetro Sergio Machado com o
senador Romero Jucá (PMDB-RR).
No diálogo,
Machado sugere que a principal solução para o problema que ambos
enfrentavam era Temer formar “um governo de união nacional”. Com isso,
ele “faria um grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo”. Jucá
concorda, um pacto tinha que ser feito, e foi.
Pouco dias antes de Dilma Rousseff ser afastada da presidência, o então vice-presidente prometeu que não haveria perseguição contra o governo anterior.
Com
a ascensão de Temer ao poder, Jucá foi alçado à condição de Ministro do
Planejamento, uma das pastas mais importantes da Esplanada.
Fabiano Silveira,
que tinha dado dicas de como escapar da Lava-Jato a Renan Calheiros e a
Machado, tornou-se Ministro da Transparência e Controladoria Geral da
União. No cargo, ele era uma das partes que firmariam acordos de
leniência com as empreiteiras envolvidas na Lava Jato.
Na
época, a Medida Provisória 703/2015 estava em vigor e permitia que o
Executivo firmasse os acordos sem a participação do Ministério Público
Federal. De acordo com Emílio Odebrecht, a legislação teria sido uma forma que Lula e o então Ministro da Casa Civil Jacques Wagner encontraram para salvar sua companhia. Após pressão popular, a medida caducou sem ser aprovada pelos congressistas.
Após
as gravações de Machado serem divulgadas, Jucá e Silveira pediram
demissão dos seus cargos. Mas isso não impediu o pacto de continuar.
Quando a corda apertou no pescoço do seu aliado Moreira Franco, Temer o promoveu de secretário para ministro, garantindo o foro privilegiado para seu amigo.
Lula,
por sua vez, apesar de ser a principal estrela do maior partido de
oposição ao governo federal, continua organizando seminários e
discursos, não contra o governo “golpista”, mas contra Sérgio Moro. Sua
maior preocupação no momento não é organizar atos contra Michel Temer,
mas garantir que haja pessoas o suficiente para tumultuar seu primeiro depoimento ao magistrado.
De fato, enquanto congressistas do PT produzem uma cortina de fumaça chamando o atual governo de ilegítimo, o ex-presidente já afirmou publicamente que queria aconselhá-lo e, reservadamente, vê como necessário que Temer termine seu mandato em 2018.
A opinião é compartilhada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Investigado e vendo seu partido correr o risco de ser dizimado pelas
investigações, FHC teria aceitado fazer parte do pacto. A ideia não é
apenas barrar a Lava Jato, mas evitar que um outsider consiga concorrer e
ganhar as eleições.
De acordo com a Folha de São Paulo,
o trio estaria unido para aprovar medidas como “anistia ao caixa dois,
um novo modelo para o financiamento de campanha eleitoral e até o
relaxamento de prisões preventivas, que mantêm encarcerados potenciais
delatores para a força-tarefa”.
4 e 5. Dilma Rousseff e José Eduardo Cardozo
Junto com Antonio Palocci e José Eduardo Dutra, José Eduardo Cardozo foi um dos três petistas com
papel de destaque na campanha de 2010 de Dilma Rousseff. O trio acabou
sendo desmontado por um misto de problemas de saúde e com a polícia ao
longo dos anos, fazendo com que apenas Cardozo permanecesse ao lado de
Dilma até o final do seu governo.
De
acordo o ex-senador Delcídio do Amaral, a proximidade entre o então
ministro da justiça e a então presidente os tornou parceiros em um
objetivo maior: tentar frear a Lava Jato.
Em sua delação,
Delcídio – que era líder do governo Dilma no Senado, até ser preso em
flagrante tentando comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor
Cerveró – afirma que Dilma e Cardozo tentaram dar fim à operação em ao
menos três ocasiões diferentes.
A
primeira investida contra a Lava Jato teria ocorrido poucos dias após
Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo serem presos. Dilma e Cardozo tiveram
um encontro fora da agenda com
o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo
Levandowski na cidade do Porto, Portugal. Oficialmente, a reunião feita
do outro lado do Atlântico – que deveria permanecer secreta – discutiu o
aumento salarial do Judiciário. Delcídio contra outra história: a dupla de petistas teria pedido para que Levandowski agisse em favor dos empreiteiros, o que foi negado.
Com
o fracasso da primeira tentativa, a dupla não se fez de rogada e passou
a mirar no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A vaga aberta na Turma
que julgaria os processos da Lava-Jato naquela corte parecia a
oportunidade perfeita para garantir que quem estivesse na cadeia fosse
solto – foi aí que Dilma e Cardozo teriam feito sua segunda tentativa.
Aproveitando
que o desembargador Newton Trisotto, do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina (TJ-SC), havia sido convocado interinamente para atuar no STJ
enquanto um novo nome não era escolhido para a corte, José Eduardo
Cardozo teria prometido a Nelson Schaefer, presidente do TJ-SC, que ele
seria escolhido para o STJ se Trisotto votasse a favor do habeas corpus
de Odebrecht e Azevedo. Como Trisotto negou o acordo espúrio, Cardozo
saiu de mãos abanando.
Sem
desistir, Dilma e Cardozo procuraram um nome que aceitasse cumprir suas
ordens no tribunal e acharam o então desembargador do TRF da 5ª Região
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas.
Com o plano já em ação, Delcídio afirma que
foi instruído pessoalmente por Dilma a confirmar se Marcelo entendia
que sua indicação estava diretamente associada ao seu voto pela soltura
dos empreiteiros. O então desembargador teria ratificado ao então líder
do governo no Senado o seu compromisso, no próprio Palácio do Planalto,
no andar térreo, em uma pequena sala de espera.
Uma
vez nomeado, Navarro cumpriu com sua parte no acordo e votou pelo
procedimento do habeas corpus de ambos os empreiteiros. Entretanto, o
ministro novato acabou sendo isolado pelo resto da Turma, que votou
unanimemente por negar o pedido da defesa.
Pressionado pelo PT por não conseguir deter a operação, Cardozo pediu demissão do Ministério da Justiça em 28 de fevereiro de 2016, passando a se dedicar à defesa de Dilma no
processo de impeachment. Seu sucessor, Eugênio Aragão, passou menos de
dois meses no ministério, saindo do governo com a ascensão de Michel
Temer. Nesse meio tempo, o então ministro fez ameaças à equipe da Lava Jato.
6. Aloizio Mercadante
Em
novembro de 2015, o governo de Dilma Rousseff temia que Delcídio do
Amaral fizesse uma delação premiada. Após ter sua prisão preventiva
decretada, familiares e amigos do
então senador o pressionaram para colaborar com a Lava Jato. Afirmavam
que Delcídio não poderia pagar sozinho pelos crimes do PT.
Considerado
por Dilma seu principal aliado dentro do governo, o então ministro da
educação e ex-chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante (PT-SP) foi
escalado para acalmar os ânimos de Delcídio e seus familiares.
Sem
conseguir acesso a Maika do Amaral, esposa de Delcídio, Mercadante
procurou José Eduardo Marzagão, assessor de Amaral há 13 anos e que o
visitava todos os dias na cadeia. Precavido, ele gravou suas conversas com Mercadante.
Nos
diálogos, o então ministro promete usar a influência do governo no
Senado e no STF para soltar Delcídio. Diante dos relatos da crônica
falta de dinheiro da família de Amaral feitos por Marzagão, Mercadante
promete ajudá-los. Mas isso tudo desde que Delcídio não fizesse “nenhum
movimento precipitado” e deixasse “baixar a poeira”. Do contrário, iria
“sobrar uma responsabilidade pra ele monumental”.
Para a Polícia Federal,
Mercadante “atuou de forma consciente para prejudicar acordo de
colaboração premiada de Delcídio do Amaral objetivando embaraçar o
avanço das investigações da Operação Lava Jato”.
7. Eduardo Cunha
Beatriz
Catta Preta era um nome em ascensão no mundo jurídico. Cobrando entre
R$2,5 milhões e R$ 5 milhões por causa, a advogada ganhou fama por
fechar boa parte dos acordos de delação premiada que embalaram a Lava
Jato no início de 2015.
Repentinamente, Catta Preta abandonou todos os seus clientes, fez as malas e foi com toda a família morar em Miami. O motivo? Eduardo Cunha.
Na
época presidente da Câmara dos Deputados, Cunha temia que os clientes
de Beatriz entregassem seu nome para a Polícia Federal. A fim de evitar
sua prisão, o ex-deputado passou a enviar ameaças à advogada através do
doleiro Lúcio Funaro.
Funaro
havia sido cliente de Beatriz na época do Mensalão e gozava da
intimidade da família de sua ex-advogada. O doleiro teria entrado na
casa de Catta Preta e pacientemente a esperou chegar do trabalho. Assim
que abriu a porta, a advogada se deparou com Funaro brincando com seus
dois filhos. Enquanto ela estremecia, o associado de Cunha levantou-se,
sacou uma arma, e passou a proferir um rosário de ameaças.
O
recado surtiu efeito. Um dos clientes de Beatriz, o empresário Julio
Camargo, ex-consultor da Toyo Setal, firmou seu acordo de delação
premiada sem revelar que Cunha recebeu US$ 5 milhões referentes a
propinas na venda de navios-sondas da Samsung para a Petrobras. Apenas
meses depois, o delator trouxe esta informação à tona, e se justificou: tinha medo de Eduardo Cunha.
8. Rodrigo Maia
Aparecendo na
delação da Odebrecht com o codinome “Botafogo” e receptor de R$ 100 mil
em troca do seu voto na aprovação da Medida Provisória 613, Rodrigo
Maia (DEM-RJ) foi eleito para um mandato-tampão à frente da presidência
da Câmara dos Deputados. Entre a simpatia de
ministros do governo Temer e os protestos do antigo grupo de Eduardo
Cunha na casa, Maia foi reeleito e deve ficar o próximo biênio no
comando da Câmara.
Apesar
de ter brigado com o chamado “Centrão” e a oposição ao atual governo,
Maia estava bem sintonizado com ambos quando o Pacote de Medidas
Anticorrupção proposto pelo Ministério Público foi votado.
O deputado carioca liderou,
durante uma sessão feita na calada da noite, a mutilação do projeto. No
final, o texto parecia intencionar mais perseguir membros do Ministério
Público (MP) e do Judiciário do que combater a corrupção. Magistrados e
membros do MP apontaram que o projeto de abuso de autoridade aprovado
naquele momento na Câmara tinha descrições tão vagas do que era abuso
que qualquer promotor ou juiz poderia ser constrangido.
9 e 10. Renan Calheiros e Aécio Neves
Renan
Calheiros tem um longo histórico de desafeto com a Lava Jato. Ainda em
2015, o senador utilizou a Advocacia do Senado Federal para representar
contra Rodrigo Janot. De fato, Calheiros foi flagrado nos áudios de
Sérgio Machado confessando que tentou impedir a recondução de Janot ao cargo de Procurador Geral da República.
Mais do que suas infindáveis tentativas de aprovar o Projeto de Abuso de Autoridade, em que o relator do PL acatou sugestões de Sérgio Moro ao texto, Renan tentou a todo custo aprovar no Senado o projeto anticorrupção desfigurado enviado pela Câmara.
Horas mais tarde da cena protagonizada pelos deputados, Renan articulou junto ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) o pedido de urgência para que o texto fosse apreciado no mesmo dia em que chegou! Aécio teria trabalhado durante toda a tarde do dia 30 de novembro de 2016 para fazer as lideranças do PMDB, PT, PSD, PP e PTC assinarem o pedido de urgência.
Com a sessão aberta, Renan anunciou no plenário a votação de um requerimento de urgência lendo apenas o número do projeto e as leis que seriam alteradas, sem dizer do que se tratava em específico. Após a reação dos senadores Aloysio Nunes (PSDB-SP) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), o então presidente do Senado esclareceu esses pontos e teve que lidar com uma rebelião no Plenário.
Confiante no acordo que tinha costurado horas antes, Renan ignorou a reação dos senadores e colocou o requerimento em votação, mas acabou perdendo. Receosos que a manobra pegasse mal, vários dos senadores que tinham prometido seus votos para Calheiros deram para trás.
Horas mais tarde da cena protagonizada pelos deputados, Renan articulou junto ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) o pedido de urgência para que o texto fosse apreciado no mesmo dia em que chegou! Aécio teria trabalhado durante toda a tarde do dia 30 de novembro de 2016 para fazer as lideranças do PMDB, PT, PSD, PP e PTC assinarem o pedido de urgência.
Com a sessão aberta, Renan anunciou no plenário a votação de um requerimento de urgência lendo apenas o número do projeto e as leis que seriam alteradas, sem dizer do que se tratava em específico. Após a reação dos senadores Aloysio Nunes (PSDB-SP) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), o então presidente do Senado esclareceu esses pontos e teve que lidar com uma rebelião no Plenário.
Confiante no acordo que tinha costurado horas antes, Renan ignorou a reação dos senadores e colocou o requerimento em votação, mas acabou perdendo. Receosos que a manobra pegasse mal, vários dos senadores que tinham prometido seus votos para Calheiros deram para trás.
extraidadespotiniks.com
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