, por Ronaldo Caiado Folha de São Paulo
Quando a sociedade brasileira começou a se manifestar nas ruas, a partir de 2013, não se tratava, como alguns pensaram, de protestos pontuais contra a corrupção e a má governança.
Se assim fosse, tudo se encerraria com o impeachment de Dilma, cujo governo, sob a égide do PT, mesclou administração temerária com roubalheira sistêmica, em magnitude sem precedentes, levando o país à ruína econômica, moral e política.
Ali, no entanto, apenas se inaugurava uma nova e irreversível fase na história do país, ao que parece ainda não devidamente percebida pelos agentes públicos. E aí reside o cerne da atual crise, que é, sobretudo, de representatividade.
A sociedade não se reconhece no Estado, que, por sua vez, continua a vê-la como se nada houvesse mudado. As manifestações, no entanto, mostram que a sociedade descobriu o poder transformador das ruas. E de lá não mais sairá.
Organiza-se para tornar efetivo o parágrafo único do artigo 1º da Constituição, segundo o qual "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (...)".
Esse termo "diretamente" está deixando de ser letra morta. As redes sociais são extensões digitais da vida pública, que banem de vez a figura do Estado torre de marfim.
O recado é claro: o papel passivo da sociedade, como mera provedora de um Estado caro e inoperante, chegou ao fim.
O governo Temer, se não se der conta disso, não terá êxito nas reformas que precisa realizar. Não o conseguirá se continuar supondo que lhe basta obter maioria no Congresso.
Há 28 partidos no Congresso, nenhum com vínculos efetivos na população. Em tal contexto, cogitar voto em lista, uma reforma para esconder a cara dos maus políticos, é aumentar o fosso que separa o país oficial do país real.
Foi-se o tempo em que o povo terceirizava seus problemas. Hoje, cobra lógica e coerência dos governantes; quer retorno de seus impostos. Reforma da Previdência, sim, desde que extensiva a todos, sem privilégios —e desde que devidamente explicada e debatida. E debate não é propaganda.
Aumento de impostos, sem que o Estado contenha os seus gastos, não. E assim por diante.
A agenda de temas em discussão no Congresso mostra a distância que o separa da sociedade. Neste momento, em que há cerca de 14 milhões de desempregados, a recuperação da economia exige sua desregulamentação e medidas de incentivo ao emprego, não reforma política e medidas defensivas contra a ação da Justiça na Lava Jato, entre as quais a preservação do foro privilegiado.
O país está atento, de olho nos políticos. Isso é bom. Há futuro e esperança e já se vê crescente parcela de jovens imunes à doutrinação esquerdista, em busca de projeto de prosperidade, baseado no estímulo ao empreendedorismo e à meritocracia, sem os quais não há justiça social.
O Brasil possui reservas minerais estratégicas incomparáveis. Com todas as dificuldades que já viveu e as que ainda vive, é o segundo maior exportador de alimentos, com uma das agriculturas mais sofisticadas e produtivas.
Mas possui potencial para ir muito mais longe. O país tem sido refém de uma mentalidade política retrógrada, calcada no paternalismo estatal, que o debilitou ainda mais nesses 13 anos de desastrosa hegemonia petista. A cada eleição, sob o estímulo do marketing político, ansiava por um salvador da pátria.
Lula prestou este serviço: sepultou o ciclo messiânico. O país que emerge da crise se despoja de mitos e equívocos do passado, disposto a refundar a república em bases morais e racionais.
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