FERNANDO GABEIRA O Globo
Fui ver a queda de
Eduardo Cunha em Brasília. Nunca vi ninguém tão solitário no momento da
cassação. Falei com ele duas vezes. Na primeira, perguntei por que
ficava de costas para os oradores. Disse que preferia vê-los no telão.
Depois de seu discurso, perguntei pela conta na Suíça e disse que não a
tinha. Segundo ele, há uma diferença entre trust e conta: o Supremo o
absolveria. Ele sabe como eu que o problema não é conta ou trust mas o
dinheiro escondido no exterior. No dia seguinte, a imprensa
internacional o apelidou de Mr. Trust, mostrando como uma das formas de
ocultação de riqueza ilícitas.
Pensei que pudesse me dedicar um
pouco ao governo Temer. Fernando Henrique o chamou de pinguela, nome
talvez desconhecido das novas gerações. Mas é um tronco ou tábua
separando as margens do rio ou córrego. A ideia de uma pinguela é
inquietante pela sua precariedade diante das tensões e conflitos de um
país continental. As coisas seriam mais fáceis para o governo se não
fosse um desastre em comunicação. A ideia de expansão da jornada de
trabalho para 12 horas é um alimento para os demagogos. A impressão que
deu foi a de que a jornada obrigatória passaria para 12 horas. Além de
ser adversário de si próprio, o governo concilia com a oposição na
medida em que não revela o que realmente aconteceu quando o PT dominava o
governo. O que houve no BNDES, por exemplo? Por que até agora não se
conhece o que aconteceu nas transações do banco?
No meio da
semana, a Lava-Jato apresentou sua denúncia contra Lula. Mostrou que era
o comandante do Petrolão e se fixou no tríplex do Guarujá. Mostrou
pagamento do depósito da mudança de Lula. Logo em seguida, vi uma
entrevista da defesa. A rigor não havia contradição de fundo entre o
defensor e os acusadores de Lula. Eles dizem que o ex-presidente era o
dono oculto do tríplex. A defesa diz que os documentos mostram que Lula
não é o dono do tríplex. Se os documentos legais indicassem Lula como o
dono, para que então mobilizar uma força-tarefa de 300 homens e mulheres
para investigar as relações Lula-OAS? Nesse caso sim, estariam
malbaratando dinheiro público.
Lula foi apontado como comandante
do Petrolão e de todo o sistema de propinocracia que dominou o país ao
longo dos 13 anos. Na ausência de uma autocrítica, prevalece a tática da
negação. Será uma longa jornada que, no meu entender, trará
repercussões mais desastrosas ainda para o partido e seus apoiadores na
esquerda. Mas as atribulações da esquerda não significam que pinguela se
sustente sozinha até a margem de 2018. O governo terá de fazer sua
parte. Não se trata apenas de aprovar projetos no Congresso. É preciso
parar de dizer bobagens. Alguém deve lembrar aos ministros que as
câmeras são sedutoras mas sempre encerram um perigo.
As
confissões de bastidores, então, são terríveis. Estão sempre preocupados
com as manifestações. Será que esperavam mesmo que a travessia da
pinguela se faria sem gente pulando em protesto? Todos estamos vivendo
momentos de imprevisão. Mas há coisas que uma análise racional pode
prever. A queda de Eduardo Cunha, por exemplo, era líquida e certa. Voto
aberto, proximidade de eleições, até os mais próximos se afastaram no
momento final. Também era previsível que o papel de Lula fosse dissecado
nessa fase pós-Dilma. Quase tudo que se apresentou ali já era
conhecido, sobretudo de quem leu os jornais. Mas agora aparece de uma
forma mais oficial. O desdobramento da Lava-Jato deverá ser o
instrumento mais poderoso na revelação do subterrâneo político
brasileiro.
O governo não faz sua parte na divulgação da história
recente do Brasil talvez porque não compreenda a importância da tarefa.
Ou talvez demore com os dados porque foi coadjuvante da trama e precisa
selecioná-los. Quem dará o balanço do que se passou nos bancos
oficiais, na política externa? Os historiadores? A versão do governo,
certamente, não seria tida como verdade absoluta. Mas é muito raro nessa
movimentada pinguela que a voz dos condutores não seja ouvida, ou pior
ainda, só sejam ouvidos os ruídos que saem aos borbotões, desde o
episódio da prisão de suspeitos de terrorismo, passando por declarações
machistas e culminando na famosa jornada de 12 horas.
Desse
jeito, é melhor abrir cursos de natação pois a pinguela pode ser levada
pelas águas. Por ser estreita e precária, exige uma capacidade política
muito maior do que simplesmente trânsito parlamentar. De resto, a
conclusão que tiro para os personagens da semana é a mesma que expressei
na segunda-feira, no momento da cassação de Cunha. A má notícia para
ele é cair nas mãos do Sérgio Moro. A boa é que o inverno está acabando,
e as temperaturas em Curitiba costumam ser mais amenas na primavera.
terça-feira, 20 de setembro de 2016
Passagem para Curitiba -
extraídadeavarandablogspot
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