Epoca Guilherme Fiuza:
Ninguém jamais resistiu com tanta fibra ao ridículo. Dilma conseguiu tornar-se golpista de si mesma
Em sua marcha firme e inexorável rumo à lata de lixo da história, Dilma
Rousseff está dando um show. Telefona para senadores que não a atendem,
propõe plebiscitos que seu partido ignora, faz comícios para almas
penadas se comparando a Getúlio Vargas e João Goulart, enfim, expõe sem
pena a xepa ideológica que restou pendurada no discurso do golpe.
Ninguém jamais resistiu, com tanta fibra, ao ridículo. E em seu ato
final, quando todos imaginavam que o repertório estava esgotado, Dilma
conseguiu tornar-se golpista de si mesma.
“Eles não me obrigaram a me suicidar como o Getúlio”, discursou a
presidente afastada, explicando que escapou do destino trágico “porque
tem uma democracia aqui, que lutamos para construir”. Não é
impressionante? O mundo nunca tinha visto – e certamente jamais voltará a
ver – um golpe de estado em plena democracia. A falta que um João
Santana faz.
Eis então o axioma de Rousseff: o Brasil está sofrendo um golpe de
estado sem prejuízo da normalidade democrática. O paciente está em coma,
mas passa bem. Por isso Dilma não precisou se suicidar. É incrível a
capacidade de adaptação dos mortos-vivos. Eles aguentam tudo. E foi
assim que a presidente afastada resolveu participar, ela mesma, do golpe
democrático que salvou sua vida.
Em dado momento, Dilma decidiu então que iria ao Senado se defender no
processo de impeachment. Com o simples fato de declarar isso, ela já fez
história. O impeachment, como todos sabem, é golpe. E aqui cabe uma
explicação semântica: golpe não é peteleco, puxão de orelha ou carinho
bruto; golpe é golpe. Em política, é ruptura institucional, é estupro da
democracia. Pois bem: Dilma aderiu ao estupro.
Nos anos 1980, Paulo Maluf proferiu a frase imortal do humanismo tarja
preta “estupra, mas não mata”. O Brasil, esse inocente, acreditou que
existia recorde imbatível de estupidez. Mas nada como uma Olimpíada para
estourar limites. Dilma pôs o sarrafo lá em cima e, tal qual o cara da
vara, acabou com o reinado de Maluf: estupra a democracia de
brincadeirinha, mas não mata o meu ganha-pão de coitada profissional.
“Não vou lá [no Senado] porque acredito nos meus belos olhos, mas, sim,
na democracia”, discursou a golpeada. A oratória da joia de Lula é tão
rica que precisa ser analisada em partes. Os belos olhos, por exemplo,
podem ser um sinal cifrado de que, além da faixa presidencial, os
espelhos também sumiram do palácio. Nunca se esqueça de que alguém que
se compara a Getúlio Vargas está, salvo efeito lisérgico, falando por
metáforas impressionistas de conteúdo adulto. Coincidentemente, a parte
da sentença referente à democracia também pode ser simples falta de
espelho.
A decisão de Dilma Rousseff de ir ao Senado participar de um processo
que ela mesma define como golpe é uma revolução. A partir desse corte
epistemológico, nenhum brasileiro estará mais obrigado a responder por
seus atos. Liberou geral. Se uma presidente da República ataca as
instituições de seu país, afirmando que estão sob coação para fulminar
um mandato legítimo, e ato contínuo reconhece a normalidade
institucional com sua própria atitude, tudo é permitido. Provavelmente é
por isso que o Brasil tem tanta dificuldade de enxergar seus crimes de
responsabilidade. Crime todo mundo entende, mas responsabilidade é o que
mesmo?
“Temos que saber que essa luta não tem data para terminar”, discursou a
golpeada golpista. É claro que o prazo de validade de Dilma, a única, já
está mais do que vencido. Ela já era – e durou muito mais do que podia.
Mas você aprendeu a segurar a carteira quando ouve esse pessoal falando
em “luta”. E pode continuar segurando: o papo do golpe que não é golpe,
mas a gente finge que é para poder continuar fazendo figuração no
presépio do oprimido, acendendo vela para Jango e condenando a Guerra do
Vietnã, ainda vai render muito voto. E vem eleição aí.
Eles ainda têm muita história triste para contar e dinheiro na caixinha
para gastar. O projeto continua o mesmo: transformar propaganda
vagabunda no milagre da multiplicação de cargos e verbas, para viver da
mística coitada enquanto você trabalha. Preste atenção em todos os
suicidas remediados que vagam por aí falando em resistência democrática.
São os herdeiros da quadrilha.
extrraídaderota2014blogspot
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