Pedro do Coutto
É isso, exatamente isso. O filho do ex-diretor da Petrobrás, Nestor Cerveró, impulsionado por sua sensibilidade de ator e conseguindo participar de estranha conversação reservada, munido de três gravadores, um provavelmente para ser pressionado a desligar, outros para assegurar o registro, conseguiu ao mesmo tempo explodir o ainda senador Delcídio do Amaral, o banqueiro André Esteves, que se julgava blindado contra tudo e todos, e levar a presidente da República à perplexidade. Aliás, como ela própria afirmou a Vivian Oswald, enviada especial de O Globo a Paris, reportagem publicada na edição de terça-feira.
Os caminhos que os fatos políticos percorrem são sinuosos, inesperados, às vezes sombrios, surgindo entre as nuvens do pensamento humano. Esses fatores em seu conjunto se traduzem em situações surpreendentes, daí o seu fascínio. O imprevisto supera o previsto, como destaca o médico Pedro Campello, amigo meu, colocando a melhor tradução para o episódio ocorrido no Hotel Windsor, zona sul do Rio. Prefiro a palavra tradução no lugar de explicação, porque, em termos da lógica comum, a atuação de Bernardo Cerveró partiu de um lance mágico. E a mágica é o maior antônimo da lógica.
Qual lógica conduziu André Esteves, o principal acionista do BTG Pactual, a se envolver numa espécie de filme de mistério? Não faz sentido. Ele, no fundo, estava sendo usado por Delcídio Amaral, como capaz de garantir um pagamento à vista de R$ 4 milhões de reais (muito pouco para ele), além de mesada de 50 mil reais para Nestor Cerveró viver na Espanha, após uma fuga, via Paraguai, estupidamente urdida. Qual a troca proposta a Nestor? Na delação premiada que negocia com o Ministério Público, nela não incluir Delcídio do Amaral e o próprio André Esteves. Quem tem medo de André Esteves? Ele próprio, ao que parece.
DÚVIDAS DE BERNARDO
Mas não se encontrava sozinho nessa sombra. Ela abrigava também Bernardo, que começou a duvidar da sinceridade de Delcídio e de seu advogado, Edson Ribeiro. Possivelmente pelo tom da voz, admitiu a hipótese de a proposta do senador ser uma verdadeira armadilha para, juntamente com André Esteves, retirar-se previamente de alguma acusação, algum segredo do qual Nestor Cerveró pudesse ter em seu poder. Por isso, o ator entrou em cena munido dos gravadores e assim pôde registrar as intenções reveladas por Delcídio do Amaral. O episódio transformou-se num verdadeiro capítulo da história moderna do Brasil, ao ponto de deixar perplexa até a presidente da República.
Coisas da política, poder-se-á dizer. Porém, um caso de grande profundidade, sobretudo porque refletiu no deputado Eduardo Cunha, que atravessa um momento crítico na Câmara dos Deputados, podendo comprometê-lo ainda mais do que já se encontra.
VIDA E ARTE
O ator Bernardo Cerveró ampliou o palco dos acontecimentos, fazendo girar o círculo das contradições e envolvimentos muito além da imaginação. Prova o fato, mais uma vez, que nem a vida imita a arte, tampouco a arte imita a vida. Vida e arte são, no fundo, uma coisa só. Ninguém escreveu até hoje nada que não haja acontecido. Jogar com os fatos e os momentos é a diferença. Foi o momento de Bernardo Cerveró na vida e no palco da política.
EXTRAÍDADETRIBUNADAINTERNET
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