editorial do Estadão
“Agora eu sei que vou para a prisão.” A resignação contida na declaração
do italiano Cesare Battisti, ao desembarcar em Roma, na manhã de ontem,
diz muito sobre seu longo passado de fugas e disfarces. Diz
especialmente sobre os anos que se seguiram a 2005, quando o Conselho de
Estado da França, onde estava foragido, confirmou sua extradição para a
Itália e Battisti veio dar nestas terras.
Aqui, Battisti viu a cadeia de longe durante a maior parte do tempo.
Sentia-se tão confortável no País que decidiu até escolher um time de
futebol para torcer. Deu entrevistas para jornais e emissoras de TV e
foi cortejado por políticos e ativistas da esquerda. O criminoso tinha
motivos para estar tranquilo até há bem pouco.
Condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana pelos assassinatos de
quatro pessoas entre 1977 e 1979, Cesare Battisti contou com o
beneplácito do ex-presidente Lula da Silva e de outros próceres
petistas, que sempre estiveram mais interessados em fazer propaganda
política – comprando e revendendo barato a versão segundo a qual
Battisti seria um “perseguido político” – do que em respeitar uma
decisão judicial inapelável, dada pelo Poder Judiciário de uma nação
soberana ao fim de um processo em que foi garantido o mais amplo direito
de defesa ao réu.
O avião que levou Battisti diretamente da Bolívia para a Itália levou
junto a vergonha internacional causada ao País pelo governo do PT – mais
uma – e seus prosélitos. Encerra-se um imbróglio político e judicial
que já deveria ter sido resolvido há muito tempo caso as relações
internacionais e o respeito aos princípios do Estado Democrático de
Direito tivessem prevalecido sobre as paixões ideológicas que animam as
hostes petistas.
Em 2009, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu status de
“refugiado político” para Battisti, contrariando parecer fundamentado do
Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) do Ministério das Relações
Exteriores. Em fevereiro do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF),
em decisão esdrúxula, considerou que o pedido de extradição feito pelo
governo italiano era procedente, mas a decisão de extraditar ou não
Battisti cabia ao então presidente da República. No último dia de
mandato, 31 de dezembro de 2010, Lula da Silva não decepcionou e
chancelou a farsa da “perseguição política”, e negou a extradição, como
se a Itália fosse uma republiqueta qualquer.
A situação de Battisti só começou a mudar no final do governo do
presidente Michel Temer, que atendeu a um pedido de reconsideração feito
pelo governo italiano e determinou a extradição de Battisti após o
ministro Luiz Fux, do STF, revogar uma liminar que ele mesmo havia
concedido em 2017 proibindo a entrega do italiano à Justiça de seu país.
A prisão de Cesare Battisti na Bolívia e o imediato envio do criminoso
às autoridades italianas, sem passar pelo Brasil, frustrou a expectativa
do presidente Jair Bolsonaro de explorar politicamente sua captura. A
própria revisão do pedido de extradição, uma das promessas de campanha
de Bolsonaro, já havia sido feita pelo governo de seu antecessor.
Agiu bem o presidente Evo Morales, que de pronto fez o que o governo
brasileiro deveria ter feito há anos. Especula-se sobre as razões de
ordem prática que o teriam levado a tomar a decisão que tomou. Isso
agora pouco importa. Fato é que a Bolívia agiu neste episódio como um
Estado que respeita as normas do direito internacional.
Ao fim e ao cabo, não interessa quem irá obter dividendos políticos com a
extradição de Cesare Battisti. O que importa é que, a partir de agora,
um criminoso condenado em última instância pelas mortes de quatro
pessoas inocentes, em nome de seu ativismo político, irá cumprir sua
pena após o fim de um longo processo em que lhe foram dadas todas as
garantias de defesa. Para o Brasil, fica a lição: quando relações de
amizade e de afinidade ideológica orientam decisões de Estado, o
prestígio e a reputação internacional do País se esvaem em irrisão e
opróbrio.
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