editorial do Estadão
O juiz federal Sérgio Moro defendeu as delações premiadas, dizendo que,
sem elas, “não teria sido possível descobrir os esquemas de corrupção no
Brasil”. Segundo o magistrado, “a ideia é usar um criminoso menor para
chegar ao maior, para pegar os grandes”. Quanto ao fato de os delatores
terem sua pena abrandada ou até ganharem a liberdade, Sérgio Moro
afirmou que “é melhor você ter um esquema de corrupção descoberto e
algumas pessoas punidas do que ter esse esquema de corrupção oculto para
sempre”, ou seja, “é melhor ter alguém condenado do que ninguém
condenado”.
Trata-se de uma visão muito peculiar de justiça. Não se pode negar que
as delações premiadas foram importantes para puxar o fio da meada que
levou o País a conhecer o petrolão, maior esquema de corrupção da
história nacional. O problema é que, atualmente, a julgar pelo que chega
ao conhecimento do público, as múltiplas acusações feitas pelo
Ministério Público contra figurões do mundo político estão baseadas
somente, ou principalmente, nas delações, sem que venham acompanhadas de
provas materiais suficientes para uma condenação. Quando muito, há
provas testemunhais, nem sempre inteiramente dignas de crédito ou
confiança.
Criou-se um ambiente em que as delações parecem bastar. Se é assim, o
objetivo não é fazer justiça, mas uma certa justiça. Aliás, ensinava o
juiz Oliver W. Holmes que juiz não faz justiça, aplica a lei. Há tempos
ficou claro que certos membros do Ministério Público têm a pretensão de
purgar o mundo político daqueles que consideram nocivos. Para esse fim,
basta espalhar por aí, por meio de vazamentos deliberados, que tal ou
qual político foi citado nesta ou naquela delação para que o destino do
delatado esteja selado, muito antes de qualquer tribunal pronunciar sua
sentença.
Foi exatamente o que aconteceu no episódio envolvendo o presidente
Michel Temer. Em mais um vazamento de material em poder do Ministério
Público, chegou ao conhecimento dos brasileiros uma gravação feita pelo
empresário Joesley Batista com Temer na qual o presidente, segundo se
informou, teria avalizado a compra do silêncio do deputado cassado
Eduardo Cunha. Quando a íntegra da gravação foi finalmente liberada,
dias depois, constatou-se que tal exegese era, no mínimo, controvertida.
Mas em todo o episódio prevaleceu a interpretação feita pelo
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para quem o diálogo é
expressão cabal de uma negociata – e isso bastou para Temer ser visto
por muitos como imprestável para permanecer no cargo de presidente.
Assim é a política, como bem sabem os vazadores.
Enquanto isso, o empresário Joesley Batista, por ter grampeado o
presidente da República para flagrá-lo em suposto ato de corrupção e por
ter informado ao Ministério Público que deu dinheiro para quase 2 mil
políticos com o objetivo de suborná-los, não passará um dia sequer na
cadeia nem terá de usar tornozeleira eletrônica. Poderá até morar nos
Estados Unidos, para onde já levou a maior parte de seus negócios. Isso,
nos termos do escandaloso acordo de delação endossado pelo sr. Janot.
Se é verdade, como diz o juiz Sérgio Moro, que o objetivo dos paladinos
do Ministério Público é “pegar os grandes” criminosos, como explicar que
alguém que confessa crimes dessa magnitude, como fez Joesley Batista,
não será punido? A resposta é muito simples: o objetivo não é pegar os
grandes criminosos, mas apenas aqueles que, na visão dos procuradores da
República, devem ser alijados da vida nacional – isto é, os políticos.
Ainda que nenhuma prova apareça para corroborar as acusações, o estrago
já estará feito. E, no entanto, há muitos políticos honestos neste país.
Assim, as delações se tornaram instrumentos eminentemente políticos. Na
patética articulação em curso para encontrar um “substituto” para Temer
caso o presidente caia, a primeira qualificação exigida é que o nome do
candidato não tenha sido sussurrado por nenhum delator. Só então será
considerada sua capacidade de governar o País. Essa é a prova de que a
agenda nacional, em meio a uma das mais graves crises da história, foi
definitivamente contaminada pelo pressuposto de que o Brasil só será
salvo se a classe política for desbaratada, como se fosse uma quadrilha.
Isso não costuma dar boa coisa.
extraídaderota2014blogspot





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