por Aloísio de Toledo Cesar O Estado de São Paulo
É curioso observar como os julgamentos públicos, feitos pela população, em muitas oportunidades parecem ter uma só voz e um único sentido, como no caso da chapa Dilma-Temer, pelo TSE. Antes da decisão que não afastou a chapa, a grande maioria da população praticamente já “decidira” que ambos eram culpados e deveriam ser banidos da vida pública.
Até mesmo importantes e experientes comentaristas de televisão exprimiram com toda a certeza que o presidente Michel Temer, por estar enfraquecido politicamente, não teria salvação, enfim, estava mesmo com o destino traçado e seria afastado do cargo. Nenhum deles refletiu que o juiz é obrigado a julgar com o que está nos autos, e não na circunstância de o réu estar enfraquecido ou fortalecido.
Naqueles dias de emoções pareceu ter havido uma espécie de substituição da razão pela vontade. No dia em que juízes passarem a julgar com o coração, e não com a razão, não haverá mais segurança jurídica, porque em cada indivíduo os fatos do dia a dia repercutem de forma diferente. O pensamento racional majoritário é que deve prevalecer.
Os processos judiciais tramitam conforme regras rígidas, expressas em leis aprovadas pelo Congresso Nacional. Uma ação judicial, por exemplo, deve necessariamente conter um pedido certo e uma causa de pedir, que somente poderão ser modificados, sem o consentimento do réu, até a data em que se realiza a citação.
Isso assim é porque, com a citação, se aperfeiçoa a relação processual submetida ao devido processo legal, que é obrigatório e deriva do Estado de Direito originário da Constituição federal de 1988. O Código de Processo Civil (CPC) é transparente ao dispor que será possível alterar o pedido ou a causa de pedir até esse momento (citação), independentemente do consentimento do réu (artigo 329).
Se houver consentimento do réu, será também possível essa alteração, mas só até a data do saneamento do processo (ato pelo qual o juiz decide se não há vícios formais e se a relação processual foi satisfatoriamente constituída).
Após o saneamento já não será possível a transmutação do pedido, porque assim está expresso no artigo 329, II, do CPC. E porque já não seria possível determinar a realização de nova citação, nem reabrir prazo para o contraditório (exigência do devido processo legal.).
Naqueles momentos de corações inflamados em que se discutia no TSE o processo Dilma-Temer, o relator Herman Benjamin foi habilidoso ao trazer a população para o seu lado, quando relatou os horrores das verbas repassadas aos marqueteiros de Lula e Dilma na última eleição. Ele repetia, com competência, que essas verbas eram fruto da corrupção e do assalto de partidos políticos à Petrobras.
Juiz experiente, não deu ênfase à circunstância de tais fatos não terem sido incluídos nem no pedido inicial, nem na causa de pedir, e que os dois réus (Dilma e Temer) não tiveram oportunidade de sobre eles se manifestar no momento apropriado. Enfim, não puderam oferecer defesa sobre fatos na época não expostos.
Houve habilidade nesse gesto de conduzir a grande maioria da população brasileira a se horrorizar, compreensivelmente, com os atos de corrupção por ele relatados minuciosamente. Com isso a maioria ficou com o sentimento de que esses fatos também deveriam ser julgados.
Os atos de corrupção relatados por Herman Benjamin naqueles dias não podem passar em branco e merecem a mais rigorosa e exaustiva apuração, em sede apropriada, com a participação dos delegados federais e dos promotores públicos. A divergência no TSE surgiu porque não houve conhecimento formal dos dois réus quando chamados para contestar a lide.
É bom lembrar que essa ação eleitoral foi proposta poucos dias após o pleito e tinha por finalidade substituir a chapa vencedora pela vencida. O pedido naquela oportunidade e a causa de pedir estabeleceram os limites em que os dois réus (Dilma e Temer) fariam suas respectivas defesas. Tendo sido ultrapassadas as datas da citação e do despacho saneador, as regras processuais não autorizariam alteração posterior.
A legislação processual brasileira realmente impõe inalterabilidade do pedido inicial e da causa de pedir, embora o tema às vezes se mostre tormentoso, tanto que naquele dia três entre os sete juízes consideraram que seria possível incluir no julgamento fatos posteriores, vergonhosos, que viram o estômago de cada um de nós, mas que não haviam sido submetidos aos dois réus no momento apropriado, para que apresentassem defesa.
A admissão dessas novas provas deixaria satisfeita grande parte da população brasileira, que nutre com razão verdadeiro horror pelos atos de corrupção, mas poderia configurar no processo eleitoral em questão um vício insanável, por falta do exercício do contraditório e ampla defesa. Essa situação jurídica é tormentosa porque não há preclusão para o juiz em matéria de prova, ou seja, seria possível ao relator incluir novas provas, desde que obedecido o devido processo legal (contraditório e ampla defesa).
Decisões judiciais colegiadas têm como característica principal a ocorrência de divergências de entendimento. Não se trata de desentendimentos pessoais entre os juízes, mas tão somente de pensamentos diferentes sobre o tema em julgamento.
Entre a população, ao sabor das emoções, é comum que muitos “julguem” com o coração e acabem concluindo que este ou aquele ministro do TSE não foi imparcial e até mesmo recebeu ordens do presidente da República para absolvê-lo e salvá-lo da perda do mandato.
Substituir a razão pela vontade é característica própria das paixões e das ditaduras. O incomparável padre Vieira dizia que o fogo da paixão, quando abrasa a vontade, o fumo que sobe cega o entendimento.
extraídaderota2014blogspot
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