por Mary Zaidan Com Blog do Noblat - O Globo
Há Brasília e há o Brasil, separados por uma distância fenomenal. Lugar
comum, a frase ganha toneladas de chumbo quando as crises se agudizam.
Quase nada do que faz sentido para os ocupantes da Praça dos Três
Poderes dialoga com o resto do país – um divórcio irreconciliável não
por um ou outro contencioso, mas por absoluta incompatibilidade.
Atribuem-se as desavenças recentes à corrupção deslavada que se
institucionalizou a partir do governo do ex-presidente Lula,
cristalizada nos 13 anos de petismo. Tem lá bastante peso, mas há muitas
outras contas para acertar. A começar pela discrepância entre o tanto
que se cobra de impostos e a qualidade (péssima) dos serviços retornados
ao cidadão.
Em tudo e por tudo é uma relação discordante.
Enquanto Brasília debruça-se única e exclusivamente nas denúncias de
corrupção, tendo agora o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves
como pontas-de-lança, boa parte do país quer virar a página. Quer
combater a bandidagem, colocar na cadeia quem roubou. Mas também
respirar, sem que interesses puramente eleitorais coloquem a perder o
pouco oxigênio que a economia produziu.
Mas na Brasília com protagonistas em agonia a pauta é outra.
Primeiro, é o salve-se quem puder, lema que alimenta as guerrilhas
permanentes entre os poderes, cada um tentando se safar de qualquer
forma, não raro da pior maneira. Com isso, o Judiciário assume tarefas
legislativas, o fragilizado Executivo aposta fichas em moedas de troca
com o Parlamento, o Ministério Público vira juiz.
A agenda eleitoral vem em seguida. E é em torno dela que se dá a ação.
No Congresso, senadores festejam a derrota da reforma trabalhista na
Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Agem para uma plateia cativa mesmo
sabendo que são pequenas as chances de a rejeição se manter no plenário.
Pouco importa para eles se a votação embutiu medo em quem contrata. E
que tenha atrapalhado a vida de 14 milhões de desempregados que lutam
não pela carteira assinada, mas por migalhas, por espaço na
informalidade, agora também congestionada.
Exemplos de irresponsabilidade irrestrita não faltam.
Enquanto o cidadão economiza até os centavos que não tem, a Comissão de
Finanças da Câmara aprova novos 370 cargos para o Tribunal Eleitoral de
São Paulo, aumentando ainda mais os já astronômicos gastos da Justiça
Eleitoral, cuja instância máxima, em Brasília, consome R$ 5,4 milhões
por dia.
Tudo feito sem perguntar a opinião do trabalhador, que, seguramente,
repudia a cobrança do imposto sindical compulsório que os senadores
vitoriosos na CAS querem manter. Ou ao eleitor, que preferia não ter a
obrigação de votar, mas tem de sustentar uma Justiça inócua, que deveria
fiscalizar contas de partidos políticos e não o faz, e que pune de
acordo com a conveniência.
Como explicar, por exemplo, que com vacas tão magras o país tenha
gastado R$ 270 milhões, em apenas cinco meses, para custear 35 partidos
políticos? E que nenhum tostão foi fiscalizado?
Com Temer, que já era impopular, nocauteado, a dissintonia do cidadão
com o Planalto também só cresce. E não sem motivo. Como engolir da
planície que o mesmo governo que pede sacrifícios gaste com bondades
para governadores e parlamentares a fim de evitar a aprovação da
denúncia-crime contra o presidente?
Há o Brasil e há Brasília. E, ao contrário das previsões, mesmo diante
da infernal crise política, a economia vem resistindo com bravura quase
inexplicável. Talvez porque a energia que a impulsiona habite o Brasil
real, fora do retângulo que abriga os Três Poderes. Resta saber até
quando as baterias suportam.
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