por José Casado
Na sala de julgamento, diante das câmeras, avisou: “Vou fazer um gesto
do que é a ira do profeta”. E, teatralmente, espalmou a mão branca,
dedos rígidos e alinhados, deslizando- a como se cortasse artérias do
pescoço de quem desejava justiçar. “É preciso dar um freio nisso ou não
vai ter bom fim”, disse o juiz Napoleão Nunes Maia Filho sobre delações
premiadas de empreiteiras nas quais supostamente foi citado. E
prosseguiu na leitura de sua sentença inaugural do golpe do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) para ignorar e desqualificar provas de fraude,
corrupção e lavagem de dinheiro na eleição de 2014 coletadas na Operação
Lava-Jato.
Àquela altura, perto do TSE, a presidente do Supremo conversava com
chefes de tribunais estaduais, intimando-os à ação rápida para
transparência do Judiciário, o mais obscuro dos poderes republicanos.
Cármen Lúcia, que também preside o Conselho Nacional de Justiça,
argumentava com o aumento da pressão de uma sociedade cada dia mais
crítica ao funcionamento das instituições. Lembrou: “Nenhum de nós tem
dúvida de que o Brasil mudou. O cidadão mudou e está com raiva.”
O quadro sugere que, depois de devastar o Executivo e o Legislativo,
agora a crise na praça dos Três Poderes, em Brasília, avança na direção
do Judiciário.
A desconfiança pública no sistema de justiça não é recente. Foi
crescente nas últimas três décadas, mostram pesquisas da Fundação
Getulio Vargas, por efeito da excessiva burocratização dos serviços e do
longo tempo na resolução de conflitos.
Na sexta-feira, porém, quatro juízes do TSE podem ter adicionado uma
novidade ao se atropelarem na própria incapacidade de demonstrar a
legitimidade de sua decisão.
Ao sentenciar ignorando provas, incitaram a uma redução da confiança
pública no Judiciário, porque estimularam a incredulidade no
funcionamento de um tribunal cuja razão de existir é a garantia da
efetividade, da transparência e da segurança do direito ao voto.
Como registrou Silvana Batini, professora da FGV, “decidir sobre o
direito ignorando os fatos permite que, no futuro, os fatos ignorem mais
uma vez o direito”.
Juízes de tribunais superiores são políticos vestidos de toga, mas ao
usar a toga para fazer política — no caso, estabelecer uma pinguela de
governabilidade —, os vencedores do TSE provavelmente contribuíram para
ampliar a hemorragia, em vez de estancar a sangria no governo, no
Congresso e nos 26 partidos envolvidos em inquéritos sobre corrupção.
Michel Temer comanda um governo que, no chão, ganhou fôlego por uma
“degola” à moda da República Velha — um mecanismo de logro eleitoral
usado pelas oligarquias—, mas já não consegue se sustentar em sólida
maioria no Legislativo. Assistiu a 43 deserções nas últimas três
semanas. Batalha para que, amanhã, o PSDB de 46 deputados e 11 senadores
decida apenas fingir que o abandona, e libere alguns que desejam
continuar gravitando em torno do Palácio do Planalto.
No melhor cenário, continuará em extrema fragilidade, submisso a custos
políticos crescentes sobre cada iniciativa governamental, e algemado ao
destino da Lava-Jato.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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