Marcos Troyjo: Folha de São Paulo
Ouvi há alguns dias de um banqueiro britânico –que já trabalhara tanto
no Brasil como na China– que o malogro econômico brasileiro e o êxito
chinês tinham a mesma razão: a forte presença do Estado na economia.
A propósito, o principal ponto de discussão do Fórum Econômico de Davos
há cinco anos era o capitalismo de Estado. E a tradicional revista "The
Economist" trazia à época o tema numa de suas icônicas capas.
Naquele instante, as variantes de capitalismo de Estado aplicadas nos
Brics pareciam produzir muito mais sucessos do que a dupla EUA-Europa,
ainda abalada pelas crises dos subprimes e das dívidas soberanas.
O fato é que tanto a própria noção de capitalismo como a ideia de
capitalismo de Estado representam conceitos demasiado amplos. Comportam
realidades tão diferentes como China ou Cingapura, Brasil ou Rússia.
Cabe ressaltar que diferentes países implementam sua interpretação de
capitalismo de Estado sobre as bases de ordens políticas diversas e
diferentes abordagens sobre a relação custo-benefício de integrar-se à
economia global.
É possível, assim, vislumbrar dois submodelos majoritários de aplicação
de ferramentas Estado-capitalistas, sobretudo em termos de estratégia
econômica. Os dois países que ofereceram os elementos mais facilmente
identificáveis em tempos recentes são justamente o Brasil e a China.
O Brasil, que buscou consolidar o modelo em diferentes momentos
históricos, jamais porém o implementou com tanto afinco como nos anos
Lula-Dilma. E o fez num contexto de pujante sociedade civil, imprensa
vigilante e livre, pleno direito à crítica e sufrágio universal. O
capitalismo de Estado brasileiro que disso resultou foi consumista,
orientado para dentro e curto-prazista.
Na China, o capitalismo de Estado se deu sobre estruturas de imobilismo
político e (forçada) coesão. O projeto nacional chinês de poder,
prosperidade e prestígio é mais importante do que a livre movimentação e
expressão política dos atores sociais. Disso resultaram ênfase em
poupança e investimentos, economia voltada para fora e perspectiva de
longo prazo.
O capitalismo de Estado chinês foi marcado –por certo tempo– pela
administração artificial do câmbio e da remuneração do fator trabalho,
acesso favorecido aos principais mercados compradores do mundo, grande
capacidade de acúmulo de poupança e investimento nas mãos do Estado,
parcerias público-privadas voltadas à infraestrutura e logística de
comércio exterior, e uma combativa diplomacia empresarial.
O capitalismo de Estado no Brasil desenhado no período Lula-Dilma foi
erigido sobre protecionismo comercial, fortalecimento das
megacorporações de economia mista que atuam em commodities agrícolas e
minerais, política industrial defensiva e, por último, remuneração do
capital financeiro em níveis bem superiores às taxas praticadas ao redor
do mundo - de modo a compensar os esquálidos níveis de poupança e
investimento internos, ambos inferiores a 20% do PIB.
Tanto o modelo chinês como o brasileiro conferiram caráter sacrossanto à
noção de conteúdo local. No caso chinês, muito se especulou quanto ao
conteúdo local como imperativo para manter-se empregada – a baixos
níveis de remuneração –a imensa população de jovens que a cada ano chega
ao mercado de trabalho.
Contudo, esse que foi o principal estereótipo da competitividade chinesa
–mão de obra abundante a baixo custo– já está caduco. Economias como
Índia, Paquistão, Vietnã ou mesmo países africanos já oferecem mais
atrativos neste particular do que a China.
O que marca a ênfase que o capitalismo de Estado na China contemporânea
atribui ao conteúdo local se manifesta na robusta capacidade de realizar
compras governamentais ou celebrar contratos internacionais exigindo,
como contrapartida do parceiro estrangeiro, a instalação de unidades
produtivas em território chinês.
Neste sentido, aparentemente é grande a coincidência com o modelo
brasileiro de busca de conteúdo local, que concentra o poder do Estado,
suas autarquias e das grandes empresas de economia mista e em favor da
atração de investimentos estrangeiros diretos.
No entanto, o capitalismo de Estado no Brasil e sua filosofia
"local-conteudista" promoveram tão somente substituição de importações.
Na China, tais ferramentas foram instrumentalizadas à promoção de
exportações.
A vertente chinesa promoveu internacionalização e competitividade e, no
limite, acabou por auxiliar na emergência do país como principal
nação-comerciante. Em contraste, o modelo brasileiro tão somente serviu
para isolar o país do mundo, reforçando suas feições de atrasada
autarquia.
extraídaderota2014blogspot
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