por José Paulo Kupfer O Globo
A ânsia reformista que toma conta do Congresso Nacional, sob a batuta do
presidente Michel Temer, corre o risco de produzir dificuldades
competitivas em lugar de promover os pretendidos avanços. Parece ser o
caso dos textos que tratam da terceirização das atividades nas empresas —
um aprovado, nesta quarta-feira, de surpresa, na Câmara, e outro,
anunciado, também de surpresa, nesta quinta-feira, com promessa de
tramitação acelerada no Senado.
Não é difícil imaginar dificuldades para fazer valer a efetiva aplicação
da norma que vier a ser sancionada por Temer, sem a integração com as
outras reformas do mundo do trabalho já em discussão. Importa menos que o
texto da Câmara defina uma liberação quase geral da terceirização e que
o do Senado preveja mais restrições a esta mesma terceirização. Nem
conta muito também o fato de que um deles, o da Câmara, é basicamente um
projeto velho de quase duas décadas ou que o outro seja mais recente,
com data de 2015. O problema é que ambos, separados da reforma
trabalhista, que prevê a prevalência do negociado sobre o legislado — o
que, por sua vez, deveria requerer uma reforma sindical —, correm o
risco de se transformar em monstrengos jurídicos de baixa eficácia.
Num mundo em que os processos de produção se encontram em permanente e
acelerada mutação, já seria uma complicação, mesmo com tudo sendo feito
como deveria, encontrar um ponto de equilíbrio entre os interesses das
partes envolvidas — empresários, trabalhadores e sindicatos —, no
cotidiano das relações de trabalho. Quando se adicionam conveniências
políticas de outras ordens, oriundos do Congresso, a complicação natural
corre o risco de se transformar em pandemônio.
É tão fácil listar os objetivos desejados de uma regulamentação (ou
desregulamentação) das relações de trabalho quanto é difícil pôr na
letra da lei as regras que permitirão alcançá-los. O que se pretende,
com qualquer texto legal na área trabalhista, é estimular a
competitividade econômica, garantir segurança jurídica a quem oferece
vagas de trabalho e preservar direitos de quem trabalha. Não se sabe
ainda o que, no fim das contas, sairá da salada trabalhista que o
Congresso ameaça produzir.
Com o desenvolvimento da tecnologia da informação e outras inovações no
processo produtivo, caso da logística dos contêineres, as cadeias de
produção têm passado por uma verdadeira revolução e até mesmo o emprego,
como conhecido tradicionalmente, está passando por alterações
substantivas. Uma das características dos novos tempos é exatamente a
impossibilidade de distinguir atividades-fim de atividades-meio. Mas nem
mesmo a sanção integral do projeto da Câmara, que promove uma liberação
geral da terceirização, será capaz de eliminar a insegurança jurídica
nas contratações terceirizadas.
Isso se deve ao fato de que o foco da questão está mal direcionado. A
questão da terceirização, em última análise, não diz respeito ao mundo
dos processos de produção, mas ao mundo das relações de trabalho. Assim,
não importa se o trabalhador é ou não terceirizado. O que importa é o
padrão de contratação da mão de obra. Em outras palavras, como o
trabalhador se insere nas regras trabalhistas vigentes. É do tipo de
inserção existente que decorrerá ou não a precarização do trabalho que,
entre nós, costuma quase sempre estar associada à terceirização.
Escusado dizer que, introduzida a mudança na legislação, seus impactos
não se restringirão às relações entre patrões e empregados,
subcontratados ou não. Os sindicatos de trabalhadores, estruturados em
grande parte por atividades, cairiam no vazio. Também sem uma adequação
da estrutura sindical, com a definição atualizada de representação por
empresa ou mesmo local de trabalho, faltaria espaço civilizado e
equânime para a prevalência do negociado sobre o legislado, como quer a
reforma trabalhista.
extraídaderota2014blogspot
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