editorial do Estadão
A integração regional ganha espaço, de novo, na pauta dos governos sul-americanos, com esforços para revitalizar o Mercosul e para aproximá-lo da Aliança do Pacífico, bloco formado por Chile, Peru, Colômbia e México. A revisão da agenda reflete principalmente a mudança de valores no Palácio do Planalto e na Casa Rosada. Enquanto as duas maiores economias da região foram comandadas pelo petismo e pelo kirchnerismo, faltou disposição, no Brasil e na Argentina, para políticas comerciais mais abertas e mais dinâmicas. A integração iniciada na década de 1990 pelos governos argentino, brasileiro, paraguaio e uruguaio empacou depois dos primeiros passos. O bloco não eliminou totalmente as barreiras internas nem se associou aos mercados mais importantes.
A reorientação de políticas foi mencionada ontem pelo presidente argentino, Mauricio Macri, na primeira sessão plenária do Fórum Econômico sobre a América Latina. O Mercosul, lembrou ele, ficou estancado por muitos anos porque prevaleceu a tendência para o fechamento. A nova agenda, segundo ele, já está em execução, e os passos iniciais foram as conversações entre autoridades brasileiras e argentinas sobre a convergência de normas sanitárias e outros critérios de comércio.
A execução da pauta continua nesta semana. O ministro brasileiro de Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira, discutiu em Buenos Aires, nos últimos dias, medidas para facilitar as trocas na região. Foram conversas limitadas, mas na direção necessária para desembaraçar os negócios dentro do bloco. Numa iniciativa mais ambiciosa, representantes do Mercosul devem reunir-se hoje, no Ministério de Relações Exteriores da Argentina, com seus colegas da Aliança do Pacífico.
A negociação entre os dois blocos pode ser complicada, porque as economias do Mercosul são em geral mais fechadas. Mas a disposição de conversar marca uma notável mudança política nas maiores economias da região. Interrogada sobre a possibilidade de um acordo com a Aliança do Pacífico, a presidente Dilma Rousseff foi enfática na rejeição. Não poderia haver entendimento, se uma das condições fosse uma abertura maior do mercado brasileiro. Não se admitiria, segundo ela, entregar facilmente o grande mercado brasileiro. Essa concepção provinciana e ingênua predomina há muito tempo na política brasileira.
Nenhum negociador sensato e competente faz concessões comerciais sem pedir algo em troca. Mas leva em conta as possibilidades de crescimento econômico e de expansão e de fortalecimento do próprio mercado. Políticas de integração bem concebidas tendem a produzir esses efeitos.
Ganhos de eficiência foram apontados há mais de dois séculos como consequências do comércio internacional. As condições do comércio mudaram, a divisão do trabalho entre os países foi alterada e as políticas sensatas acompanharam essa evolução. Com a globalização, beneficiaram-se as economias integradas nas cadeias internacionais de valor, hoje baseadas em novas formas de especialização. O Brasil tem participado muito limitadamente dessa integração, assim como dos acordos bilaterais e inter-regionais de comércio.
Decisões pragmáticas foram bloqueadas, durante anos, por escolhas ideológicas e, inegavelmente, por políticas industriais baseadas no favorecimento a grupos favoritos do poder. O protecionismo brasileiro tem sido caracterizado por essa combinação desastrosa de ideologia com promoção de interesses privados. Nisso coincidiram as políticas brasileiras e argentinas, durante os períodos petista e kirchnerista. Tolerou-se o protecionismo, mesmo quando imposto ao comércio intrabloco, e limitaram-se os acordos e oportunidades de participação das cadeias globais de negócios.
Há uma oportunidade de reorientação de políticas. O percurso deve incluir a revitalização do Mercosul, a aproximação com a Aliança do Pacífico, o acordo com a União Europeia e, é claro, a busca pragmática de associação com outros parceiros. O adjetivo “pragmática” é fundamental.
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