editorial de O Globo
O conteúdo da pré-delação do primeiro dos 77 executivos da Odebrecht a
que a imprensa teve acesso faz jus ao apelido de “fim do mundo” que este
grande acordo de contribuição premiada ganhou. Divulgados na sexta à
noite pelo “Jornal Nacional”, da Globo, fatos relatados pelo ex-diretor
de Relações Institucionais da empreiteira Cláudio Melo Filho, em troca
de redução de pena, são mesmo abrangentes e atingem políticos dos
partidos mais importantes. Inevitável conjecturar, diante disso, sobre o
que poderá trazer o testemunho do próprio Marcelo Odebrecht.
O ex-executivo da empresa jogou estilhaços em Michel Temer, ao confirmar
gestões do então presidente do PMDB a fim de obter apoio financeiro da
empreiteira a campanhas eleitorais do partido. Não ficou configurada
alguma retribuição de Temer, nem o presidente pode ser processado por
fatos ocorridos antes do mandato. Mas a simples menção do seu nome no
contexto da Lava-Jato o enfraquece e a seu governo, na antessala de
votações decisivas para o andamento de reformas sem as quais o país não
sairá da crise.
O PMDB do Senado, o núcleo mais forte do partido, também sai avariado do
depoimento de Melo Filho. Estabelecem-se vínculos perniciosos entre a
liberação de dinheiro da Odebrecht e o recebimento, em troca, de emendas
em MPs e a aprovação de projetos de interesse da empresa. O clássico
toma lá, dá cá.
Neste ramo, destaca-se o senador Romero Jucá (PMDB-RR), chamado pelo
ex-executivo de “o resolvedor da República no Congresso”. Também não
escapam o ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, e o secretário do
Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), Moreira Franco. Nem os
senadores Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Renan Calheiros (AL), o primeiro
considerado o sucessor de Renan na presidência do Senado, em fevereiro.
Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, também foi citado.
A lista é grande, inclui o inevitável Eduardo Cunha, e não livra o PT,
representado por Jaques Wagner, Marco Maia (RS) e Antonio Palocci. Por
coincidência, na modalidade de compra e venda de emendas a MPs e
projetos de lei no Congresso, o ex-presidente Lula e seu filho Luiz
Cláudio acabam de ser denunciados pelo MP de Brasília por atuarem nesse
comércio subterrâneo. Do lado dos tucanos, fazem parte das delações de
Melo Filho o governador Geraldo Alckmin (SP) e o ministro José Serra.
O ecletismo é amplo. E também por isso cresceram especulações sobre o
futuro, caso o governo Temer continue a se fragilizar. Como no Brasil
há, na vida política, uma conhecida tendência ao salvacionismo, têm
surgido fórmulas para a substituição de Temer, como se isto já não
estivesse previsto na Constituição. Nada há, portanto, a fazer a não ser
seguir as regras que lá estão e em leis correlatas.
Foi assim no impeachment de Dilma Rousseff, sob o acompanhamento do
Supremo, avalizador do processo. Caso a gestão de Temer seja
interrompida depois do dia 31, quando chega ao fim a primeira parte do
mandato no qual ele foi investido presidente, seu substituto será
escolhido em eleição indireta, realizada em até 30 dias após ter sido
declarado vago o cargo. Pode concorrer todo brasileiro nato, com mais de
35 anos.
Não há, então, motivos para “jeitinhos”. A história brasileira tem
exemplos de fracassos no uso desses atalhos. Seguir a Carta é o melhor
antídoto contra mais confusões e a defesa eficaz de um mínimo de
segurança jurídica, básica em crises desta envergadura.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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