editorial do Estadão
Na votação, terça-feira, em que os deputados rejeitaram por esmagadora maioria a exigência de contrapartidas à renegociação da dívida dos Estados, os parlamentares não apenas demoliram irresponsavelmente as bases daquele programa, prejudicando o equilíbrio fiscal, como deixaram claro ao presidente Michel Temer, sempre confiante no apoio da base aliada, que o êxito de seu mandato está fortemente atado a sua rendição incondicional à vontade do Parlamento. O que é péssimo para o País, levando em conta que, como ficou mais uma vez provado naquela votação, os parlamentares não conseguem ou não querem enxergar um palmo além de seus próprios interesses eleitorais.
Se pretende cumprir a missão de reconduzir o País à senda do crescimento econômico, da responsabilidade fiscal e da austeridade administrativa, Michel Temer precisa livrar-se da condição de refém do que há de pior na política brasileira – e que está em seu próprio entorno – e criar condições para impor sua autoridade sem esquecer que na democracia a conciliação é sempre melhor do que o confronto, mas jamais a ponto de permitir que interesses subalternos prevaleçam sobre a missão de promover o bem comum.
Haverá quem diga, com razão, que esse desafio está entre as coisas sobre as quais é muito mais fácil falar do que fazer. Mas qual a alternativa para Michel Temer? Seu maior – e talvez único – ativo político é a reconhecida capacidade de articulação que sempre demonstrou ao longo de uma carreira parlamentar durante a qual comandou o PMDB e ocupou, por três vezes, a presidência da Câmara dos Deputados. E que resultou na sua indicação, em 2010 e em 2014, para compor a chapa presidencial do PT como candidato a vice-presidente.
Mas essa capacidade de articulação – que parecia indestrutível com a aprovação de matérias de importância vital para o governo, como a PEC do Teto de Gastos – revelou outra face no momento em que a bancada do partido do presidente, a maior da Câmara, deu 47 de seus 50 votos disponíveis para, em aliança com os oposicionistas do PT, rejeitar a exigência de contrapartidas por parte dos Estados na negociação de suas dívidas com o poder central. Até o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que na condição de “fiel aliado” do governo poderia ter-se limitado a cumprir a rotina da votação e anunciar o resultado final, não perdeu a oportunidade para fazer um veemente discurso em defesa da autonomia do Parlamento, de olho nos votos de que ele próprio vai precisar para reeleger-se presidente da Casa em fevereiro.
A acachapante derrota do Planalto foi, portanto, um claro recado a Michel Temer. Serviu também para garantir a muitos deputados o sempre desejável apoio dos governadores em seus respectivos Estados. Além disso, vários parlamentares não fizeram questão de disfarçar que sua decisão teve também o sentido de um protesto contra a indecisão de Temer para preencher a cobiçada função de coordenador político do Planalto, vaga desde a demissão de Geddel Vieira Lima.
Mas o presidente da República, pelo menos num primeiro momento, parece conformado com o desfecho do episódio. No tradicional encontro de fim de ano com jornalistas no Palácio do Planalto repetiu seu mantra predileto: “Uma das chaves do nosso governo é a palavra diálogo. O Executivo não governa sozinho, governa com o apoio do Legislativo”. Certíssimo.
A julgar, no entanto, pela contundente atitude de rebeldia revelada pelos deputados dos quais era esperado que apoiassem o governo como já haviam feito mais de uma vez nos últimos meses, Michel Temer terá que recalibrar com urgência seus parâmetros de conciliação, dispondo-se, com determinação, a mudar a natureza do relacionamento do Executivo com sua base aliada. Não há mais lugar para trocas fisiológicas ou para pressões espúrias, como a da terça-feira passada. O apoio que o governo precisa de sua base parlamentar é aquele que decorre da identidade de interesses – dos interesses superiores da Nação, e não de interesses mesquinhos. Isso deve ficar bem claro aos maus políticos.
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