por Fernão Lara Mesquita O Estado de São Paulo
Tem sido um linchamento. Cada vez que estremece e esboça uma reação, cai
com mais fúria a chuva de pauladas sobre o corpo moído da Nação.
No País sem voz é a guerra; 60 mil mortos por ano, 12 milhões de
famílias não sabem se comem amanhã. Daí para cima, ou é prostração, ou
um mal contido pânico travestido de “fervor cívico” sem propósito definido nem pontaria certa. Nesse segmento “mobilizado”
a ordem cronológica está subvertida. Posto diante das entranhas daquilo
a que sempre esteve acomodado, esse Brasil não se admite mais como o
que é. Projeta como realidade vivida aquilo que deveria ter sido. Todos
cobram “dos outros”
o que cada um se recusa a entregar de seu. Ninguém se assume como parte
constitutiva de um organismo doente e isso tira de cena a ideia de
buscarmos juntos uma cura. A conflagração ocupa todos os espaços. O
passado transformou-se em arma de destruição do futuro.
Quem “ganha”, quem “perde” com cada golpe desferido? O dano infligido ao País nunca entra em consideração. O interessado em reformas “é o governo”, não o País. A imprensa não cobre o Brasil, a imprensa cobre a disputa de Brasília pela carniça do Brasil. Lá, sim, são “impopulares”
as medidas de salvação nacional. Não há desempregados discutindo a
crise na televisão. Tudo é filtrado pela óptica do poder e é isso que
alimenta esse pandemônio.
Não tem nada a ver com jornalismo trombetear aquilo a que facções em luta “lhe dão acesso” na hora e no lugar que elas escolherem. Isso não é informar, é tornar-se parte. A garantia de sigilo para alardear “furos” que não são “furos”
contrata os próximos atentados contra a Nação. De prático ela só fica
com a retaliação da retaliação da retaliação. O Judiciário ataca Renan
porque Renan desafiou os privilégios do Judiciário. E Renan só desafia
os privilégios do Judiciário porque o Judiciário atacou Renan. Não tem
nada a ver com justiça nem com zelo pela austeridade.
Essa briga só acaba se for “narrada”
como o que é. Nesse filme a sequência é que é o fato, não cada factoide
tomado isoladamente. A quebra da impunidade dos corruptos arrombou a
porta, mas a luta pelo poder montou nas costas dela. Doze milhões de
empregos morreram quase ignorados. Mas então a gangrena da arrecadação
cessante tomou o Rio Grande do Sul e subiu para o Rio de Janeiro. Agora é
em Minas Gerais que o sangue deixou de circular. Não vai parar por aí.
Com o naufrágio do Estado seguindo o da Nação com três anos de atraso e a
súbita virada dos ventos do sacrifício, a luta tornou-se, de repente,
feroz. Exumam-se velhos cadáveres e cobram-se dívidas há muito
acochambradas numa sequência frenética, mas não há rigorosamente nada
que já não se soubesse ou não tivesse sido extensamente publicado. É
impossível ignorar em boa-fé a relação de causa e efeito entre esses
requentamentos e cada tentativa esboçada de impor limites ou recuos aos
privilégios de corporações poderosas. Prender e soltar pessoas de forma
seletiva e arbitrária sob o pretexto de crimes de todos conhecidos, mas
sempre relevados, não são vitórias da justiça, são só expedientes para
impedir que o ajuste das contas públicas avance pelo único caminho pelo
qual ele pode de fato se dar.
Nesse lado do problema os dados são claríssimos. Não há preço, na arena
global, que comporte os privilégios das corporações que se nutrem de
quem produz no Brasil. Essa referência é inamovível. Não há liminar,
falcatrua regimental, “acordão”, “movimento social”
ou estelionato inflacionário suicida que consiga tirá-la de onde está.
As coisas terão obrigatoriamente de ser arrumadas desse marco para trás
ou permaneceremos expulsos do mundo.
A PEC do Teto de gastos (que está na Constituição, mas ninguém cumpre), a
reforma da Previdência e os ajustes microeconômicos, todos
imprescindíveis, só põem dinheiro no caixa lá adiante, mas o País está
falido aqui e agora. Não há como escapar. Vai ser preciso mexer no “imexível”. Carros, frotas de jatos, mordomias e “auxílios”
obscenos, isenções, acumulações, viagens, supersalários,
superaposentadorias, tudo isso vai ter de sair da conta para que possam
voltar a caber nela os salários e aposentadorias sem mais adjetivos dos
funcionários que não entraram no serviço público pela janela e mais a
saúde e a segurança pública que se requer. O mínimo fora do qual é o
caos.
Parece impossível hoje, mas as prerrogativas medievais dessa casta são
biodegradáveis. Dissolvem-se no escândalo das proporções indecentes que
tomaram assim que forem expostas ao sol. Eis aí um bom papel para a
imprensa. Apressar o inevitável é um meio certo e seguro de evitar o
desperdício de mais uma geração e salvar milhões de famílias das
tragédias que vêm vindo a galope. Mas mesmo que ela persevere na omissão
de fazer da denúncia desses privilégios a sua obsessão, a agonia do
funcionalismo desadjetivado vai produzir o milagre. E logo. Só que aí o
preço será dobrado...
O Brasil precisa estar vivo para chegar ao fim desta travessia. E é com
os políticos que temos que teremos de fazê-la. Seguir olhando só para
trás é mergulhar inevitavelmente na conflagração. O Brasil não tem
conserto dentro do que é hoje. O remédio para a doença que nos aflige é
conhecido desde 1776. Chama-se igualdade perante a lei.
Não existe outro. Consiste em reestruturar o Estado e a Nação segundo o
princípio de que tudo o que não vale para todo mundo tem de deixar de
valer para quem quer que seja. E sendo os operadores da República no
Judiciário e no Legislativo os principais beneficiários da situação que
exige reforma, estender os direitos dos eleitores para depois das
eleições com a instituição do “recall” dos representantes e do “referendo”
das leis dos Legislativos por iniciativa popular tem sido,
historicamente, o instrumento que, ao transferir o poder de decisão
final das mãos dos “contribuídos” para as dos contribuintes, inicia esse
tipo de revolução pacífica e a torna irreversível.
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