por Russell Kirk.
Uma amiga minha, a quem chamaremos Srta. Worth, teve uma conversa com uma vizinha – digamos, Sra. Williams – que, um dia antes, havia vendido um velho imóvel, há muito tempo na família, para que fosse demolido e virasse uma loja de carros usados. A Sra. Williams sentia uma certa culpa; mas, disse ela resolutamente, “não se pode parar o progresso”. Ela espantou-se com a resposta da Srta. Worth, que foi a seguinte: “geralmente não se pode, mas pode-se tentar”. A Srta. Worth não acreditava que o Progresso, com P maiúsculo, fosse algo bom em si mesmo. O progresso pode ser bom ou ruim, isso depende em que sentido se está progredindo. É bem possível, e isso ocorre frequentemente, que se progrida em direção a um precipício. O conservador inteligente, seja ele jovem ou velho, crê que todos nós devemos obedecer à lei universal da mudança; ainda assim temos todos muitas vezes o poder de escolher quais mudanças aceitar e quais mudanças rejeitar. O conservador é uma pessoa que se empenha em conservar o que há de melhor em nossas tradições e instituições, conciliando esse melhor com as mudanças inevitáveis que ocorrem com o passar do tempo. “Conservar” significa “guardar”. Veja a maldição de Cupido:
Aqueles que trocam velhos amores por novos amores,
Queiram os deuses que troquem para algo pior.
Aqueles que trocam velhos amores por novos amores,
Queiram os deuses que troquem para algo pior.
Um conservador não é, por definição, alguém estúpido ou egoísta. Em vez disso, é alguém que acredita que há em nossas vidas algo que vale a pena guardar. Na verdade, conservadorismo é uma palavra com um significado antigo e honrado – mas um significado quase esquecido pelos americanos até tempos recentes. Abrahan Lincoln queria ser reconhecido como um conservador. “O que é conservadorismo?” ele disse. “Não é preferir o antigo e já provado ao novo e não provado?” É isto sim; e é também um corpo de crenças éticas e sociais. Os liberais, por um bom tempo, vêm perambulando pela esquerda, na direção de seus primos radicais, e o liberalismo, em anos recentes, veio a denotar uma preferência pelo Estado centralizado e a impessoalidade lúgubre do Admirável Mundo Novo de Huxley ou o 1984 de Orwell. Homens e mulheres que se percebem como não sendo liberais[1] nem radicais começam a se perguntar em que afinal acreditam, e como querem chamar a si mesmos. O sistema de ideias oposto ao liberalismo e ao radicalismo é a filosofia política conservadora.
O que é conservadorismo?
O conservadorismo moderno ganhou forma nos primórdios da Revolução Francesa, quando homens visionários na Europa e na América perceberam que, se a Humanidade deve conservar os elementos da civilização que tornam a vida digna de ser vivida, algum corpo coerente de ideias deveria resistir ao impulso destruidor de revolucionários fanáticos.[2] Na Inglaterra o fundador do conservadorismo verdadeiro foi Edmund Burke, cujas Reflexões Sobre a Revolução na França virou a maré da opinião britânica e teve uma influência incalculável sobre os líderes da sociedade no Continente e na América. Nos recém-estabelecidos Estados Unidos os Pais da República, conservadores por educação e por experiência prática, estavam decididos a criar constituições que guiariam sua posteridade pelos difíceis caminhos da justiça e da liberdade. Nossa Guerra da Independência Americana não foi uma revolução real, mas antes uma separação da Inglaterra; os estadistas de Massachusetts e Virgínia não desejavam pôr a sociedade de cabeça pra baixo. Nos escritos que deixaram, especialmente na obra de John Adams, Alexander Hamilton e James Madison, encontramos um conservadorismo sóbrio, testado e aprovado, fundamentado no entendimento da História e da natureza humana. A Constituição elaborada pelos líderes daquela geração provou ser o dispositivo conservador mais bem sucedido da História.
O conservadorismo moderno ganhou forma nos primórdios da Revolução Francesa, quando homens visionários na Europa e na América perceberam que, se a Humanidade deve conservar os elementos da civilização que tornam a vida digna de ser vivida, algum corpo coerente de ideias deveria resistir ao impulso destruidor de revolucionários fanáticos.[2] Na Inglaterra o fundador do conservadorismo verdadeiro foi Edmund Burke, cujas Reflexões Sobre a Revolução na França virou a maré da opinião britânica e teve uma influência incalculável sobre os líderes da sociedade no Continente e na América. Nos recém-estabelecidos Estados Unidos os Pais da República, conservadores por educação e por experiência prática, estavam decididos a criar constituições que guiariam sua posteridade pelos difíceis caminhos da justiça e da liberdade. Nossa Guerra da Independência Americana não foi uma revolução real, mas antes uma separação da Inglaterra; os estadistas de Massachusetts e Virgínia não desejavam pôr a sociedade de cabeça pra baixo. Nos escritos que deixaram, especialmente na obra de John Adams, Alexander Hamilton e James Madison, encontramos um conservadorismo sóbrio, testado e aprovado, fundamentado no entendimento da História e da natureza humana. A Constituição elaborada pelos líderes daquela geração provou ser o dispositivo conservador mais bem sucedido da História.
Os líderes conservadores, desde Burke e Adams, têm aderido a certas ideias gerais que podemos descrever brevemente por meio de definições. Os conservadores desconfiam daquilo que Burke chamou de “abstrações” – ou seja, dogmas políticos absolutos divorciados da experiência prática e das circunstâncias particulares. Não obstante, creem eles na existência de certas verdades permanentes que governam a conduta da sociedade humana. Talvez os principais postulados que caracterizaram o pensamento conservador americano sejam estes:
1) Os homens e as nações são governados por leis morais; e essas leis têm origem numa sabedoria mais que humana – na justiça divina. Os problemas políticos são, no fundo, problemas religiosos e morais. O estadista sábio tenta apreender a lei moral e se conduz de acordo com ela. Temos todos uma dívida moral com nossos antepassados, que nos confiaram a guarda da civilização, e um dever moram para com as gerações que virão. Esta dívida nos foi ordenada por Deus. Não temos, portanto, o direito de interferir despudoradamente na natureza humana ou no delicado tecido de nossa ordem social civil.
2) As marcas de uma alta civilização são a variedade e a diversidade. Uniformidade e igualdade absoluta são a morte de qualquer real vigor e liberdade na existência. Os conservadores resistem com força resoluta à uniformidade de uma tirania ou oligarquia, e à uniformidade daquilo que Tocqueville chamou o “despotismo democrático”.
3) “Justiça” significa que cada homem e cada mulher tem direito àquilo que lhe é próprio – às coisas mais adequadas à sua natureza, à recompensa pela sua habilidade e integridade, à sua propriedade e à sua personalidade. A sociedade civilizada demanda que todos os homens e mulheres tenham direitos iguais perante a Lei, mas essa igualdade não deve se estender à igualdade de condições: ou seja, a sociedade é uma grande parceria em que todos têm os mesmos direitos – mas não as mesmas coisas. Uma sociedade justa requer lideranças sólidas, remunerações diferentes para diferentes habilidades, e um senso de respeito e dever.
4) Propriedade e liberdade são inseparáveis; nivelamento econômico não é progresso econômico. Os conservadores valorizam a propriedade como algo em si mesma, é claro; mas eles a valorizam ainda mais pelo fato de que sem ela todos estariam à mercê de um governo onipotente.
5) O poder é cheio de perigos; assim, o bom Estado é aquele em que existem pesos e contrapesos e é restringido por constituições e costumes sólidos. Tanto quanto possível, o poder político deve se manter nas mãos de cidadãos comuns e instituições locais. A centralização é geralmente um sinal de decadência social.
6) O passado é um grande repositório de sabedoria; como Burke disse, “o indivíduo é tolo, mas a espécie é sábia”. Os conservadores acreditam que precisamos nos guiar pelas tradições morais, pela experiência social e pelo grande e complexo corpo de conhecimento transmitido pelos nossos antepassados. O conservador vai além das apressadas opiniões de momento e recorre ao que Chesterton chamou “a democracia dos mortos” – ou seja, às opiniões abalizadas dos homens e mulheres sábios que viveram antes de nós, à experiência da raça. Em resumo, os conservadores sabem que não nascemos ontem.
7) A sociedade moderna necessita urgentemente ser uma comunidade verdadeira: e uma comunidade verdadeira é um mundo inteiramente diferente do coletivismo. Comunidades reais são governadas pelo amor e pela caridade, e não pela compulsão. Por meio de igrejas, associações de voluntários, governos locais e uma variedade de instituições, os conservadores buscam manter a comunidade sadia. Conservadores não são egoístas, mas sim dotados de espírito público. Eles sabem que o coletivismo é o fim da comunidade real, pois esse substitui a variedade pela uniformidade e a cooperação espontânea pela força.
8) Nas relações internacionais, os conservadores americanos sentem que seu país deve ser um exemplo para o mundo, mas não deve tentar refazer o mundo à sua imagem. É uma lei, tanto da política quanto da biologia, que todo ser vivo ama acima de tudo – mesmo acima da própria vida – sua personalidade distinta, que o destaca de todas as outras coisas. Os conservadores não aspiram à dominação mundial nem sentem prazer na ideia de um mundo reduzido a um único padrão de governo e civilização.
9) Os conservadores sabem que os homens e mulheres não são perfectíveis, muito menos as instituições políticas. Não podemos criar um paraíso na Terra, mas podemos torná-la um inferno. Somos todos criaturas em que se misturam o bem e o mal; e, se as boas instituições são negligenciadas e os antigos princípios morais ignorados, o mal em nós tende a predominar. Sendo assim, os conservadores desconfiam de todos os esquemas utópicos. Eles não creem que se possa resolver todos os problemas da humanidade pelo poder do direito positivo. Podemos esperar tornar o mundo tolerável, mas não há como torná-lo perfeito. Se o progresso foi alcançado, ele o foi por meio do prudente reconhecimento das limitações da natureza humana.
10) Os conservadores estão convencidos de que “mudança” e “melhoramento” não são sinônimos: inovações morais e políticas podem ser tanto destrutivas como benéficas; e se tais inovações são empreendidas num espírito de arrogância e entusiasmo, provavelmente será algo desastroso. De tempos em tempos todas as instituições humanas alteram-se em certa medida, já que a mudança lenta é o meio de se conservar a sociedade assim como é o meio de se renovar o corpo humano. Mas os conservadores americanos buscam reconciliar o crescimento e as alterações essenciais á nossa vida com a força de nossas tradições morais e sociais. Como Lord Falkland, eles dizem: “Quando não é necessário mudar, é necessário não mudar”. Eles sabem que homens e mulheres sentem mais contentamento quando vivem num mundo estável de valores perenes.
O conservadorismo então não é simplesmente coisa de pessoas que têm dinheiro ou influência; não é simplesmente defender status ou privilégios. A maioria dos conservadores não têm nem dinheiro e nem poder. Mas todos, mesmo o mais humilde deles, obtém grandes benefícios de nossa República. Eles possuem liberdade, segurança pessoal e para seus lares, igual proteção da lei, direito aos frutos de seus empreendimentos, e a oportunidade fazer o melhor que são capazes de fazer. Têm o direito à personalidade em vida, e o direito à consolação na morte. Os princípios conservadores abrigam as esperanças de todos na sociedade. E o conservadorismo é um conceito social importante para todos que desejam justiça equitativa, liberdade pessoal e todos os bons e velhos hábitos da humanidade. O conservadorismo não é apenas uma defesa do “capitalismo” (“capitalismo”, de fato, é uma palavra cunhada por Karl Marx, concebida desde o início para insinuar que tudo que os conservadores defendem é a vasta acumulação de capital privado). Mas os conservadores verdadeiros defendem sim a propriedade privada e uma economia livre, tanto por elas mesmas quanto por serem meios para grandes fins.
Esses grandes fins são mais que econômicos e mais que políticos. Envolvem a dignidade humana, a personalidade humana, a felicidade humana. Envolvem inclusive a relação entre Deus e o Homem. Já o coletivismo radical de nossa época é violentamente hostil a qualquer outra autoridade: o radicalismo moderno detesta a fé religiosa, a virtude pessoal, a personalidade tradicional, e uma vida de satisfações simples. Tudo o que vale a pena conservar está ameaçado em nossa geração. A mera oposição negativa e não raciocinada ao atual estado de coisas, agarrando-se em desespero ao que ainda possuímos, não será suficiente nesta época. O conservadorismo instintivo deve ser reforçado por um conservadorismo do pensamento e da imaginação.
[*] Russell Kirk. “What is Conservatism?”. The Imaginative Conservative, 4 de Dezembro de 2013.
Tradução: Felipe Alves
Revisão: Cássia H.
Tradução: Felipe Alves
Revisão: Cássia H.
[1] Na Europa e América do Norte, liberalism (em inglês) equivale às esquerdas, ao socialismo. Designa os promotores de governos intervencionistas e limitantes, de mercados interditados, isto é, limitados, e de propriedade coletiva ou estatal.
Em nossa América Latina, todavia, “liberalismo” pode significar exatamente o contrário, sobretudo quando seguida do adjetivo “clássico”: designa os partidários de governos limitados a umas poucas funções próprias muito específicas quanto ao livre mercado e à propriedade privada.
Nos países anglo-saxões houve, não faz muito tempo, uma saudável resistência ao socialismo; e por isso os socialistas evitavam se chamar pelo nome, e passaram a se autodenominar “progressistas” (progressives), desde o século 19. Porém, no século 20 foram desmascarados, e mudaram novamente para “liberais” (liberals). E como as esquerdas haviam se apropriado do conceito de “liberalismo”, desde os anos 1950 Hayek recomendou aos verdadeiros liberais o uso da expressão composta “liberalismo clássico” (classical liberalism).
Fonte: http://bit.ly/1SlTWQf
[2] É importante fazer a distinção entre conservadorismo, reacionarismo, imobi¬lismo, e progressismo (em sua forma aguda, que é o revolucionarismo, que quer destruir tudo e começar do zero).
O imobilismo [social ou político] é uma posição que não aceita qualquer espécie de mudança, que pretende que a situação atual se mantenha sem qualquer mo¬dificação. As pessoas vítimas do imobilismo negam o tempo — e reagem a qualquer mudança, mesmo para melhor, mesmo inócua. Os imobilistas, por exemplo, recebem desfavoravel¬mente transformações perfeitamente legítimas ou inovações benéficas.
O reacionarismo nega o tempo de maneira mais radical do que o imobilismo, pois pretende que ele reflua. Condena as transformações ocorridas numa determinada época recente, como se a História pudesse ser vítima de con¬denação, como se a História não fosse, pela própria condição humana, essencialmente ambígua, isto é, havendo, sempre, bem e mal em todas as situações históricas.
Opõe-se ao conservadorismo o espírito progressista, isto é, daqueles que acreditam, ao contrário, que a História é sempre um campo em que se realiza, automaticamente, um progresso continuado e onde, pois, o novo, é sempre bom, ao contrário dos imobilistas e reacionários que admitem que o novo é sempre mau, e do verdadeiro conservador que acha que o novo poderá ser bom, se não houver uma ruptura com a tradição.
O conservador reconhece o tempo — mas como sendo passado e futuro. Não nega o passa¬do, como o progressista — os tempos pretéritos não foram pavorosos nem ignorantes. Não nega o futuro, como os reacioná¬rios: o dia de amanhã poderá trazer grandes alegrias se sou¬bermos trabalhar.
Fonte: TORRES, J. C. de O. Os construtores do Império. São Paulo: Ed. Nacional, 1968.
Em nossa América Latina, todavia, “liberalismo” pode significar exatamente o contrário, sobretudo quando seguida do adjetivo “clássico”: designa os partidários de governos limitados a umas poucas funções próprias muito específicas quanto ao livre mercado e à propriedade privada.
Nos países anglo-saxões houve, não faz muito tempo, uma saudável resistência ao socialismo; e por isso os socialistas evitavam se chamar pelo nome, e passaram a se autodenominar “progressistas” (progressives), desde o século 19. Porém, no século 20 foram desmascarados, e mudaram novamente para “liberais” (liberals). E como as esquerdas haviam se apropriado do conceito de “liberalismo”, desde os anos 1950 Hayek recomendou aos verdadeiros liberais o uso da expressão composta “liberalismo clássico” (classical liberalism).
Fonte: http://bit.ly/1SlTWQf
[2] É importante fazer a distinção entre conservadorismo, reacionarismo, imobi¬lismo, e progressismo (em sua forma aguda, que é o revolucionarismo, que quer destruir tudo e começar do zero).
O imobilismo [social ou político] é uma posição que não aceita qualquer espécie de mudança, que pretende que a situação atual se mantenha sem qualquer mo¬dificação. As pessoas vítimas do imobilismo negam o tempo — e reagem a qualquer mudança, mesmo para melhor, mesmo inócua. Os imobilistas, por exemplo, recebem desfavoravel¬mente transformações perfeitamente legítimas ou inovações benéficas.
O reacionarismo nega o tempo de maneira mais radical do que o imobilismo, pois pretende que ele reflua. Condena as transformações ocorridas numa determinada época recente, como se a História pudesse ser vítima de con¬denação, como se a História não fosse, pela própria condição humana, essencialmente ambígua, isto é, havendo, sempre, bem e mal em todas as situações históricas.
Opõe-se ao conservadorismo o espírito progressista, isto é, daqueles que acreditam, ao contrário, que a História é sempre um campo em que se realiza, automaticamente, um progresso continuado e onde, pois, o novo, é sempre bom, ao contrário dos imobilistas e reacionários que admitem que o novo é sempre mau, e do verdadeiro conservador que acha que o novo poderá ser bom, se não houver uma ruptura com a tradição.
O conservador reconhece o tempo — mas como sendo passado e futuro. Não nega o passa¬do, como o progressista — os tempos pretéritos não foram pavorosos nem ignorantes. Não nega o futuro, como os reacioná¬rios: o dia de amanhã poderá trazer grandes alegrias se sou¬bermos trabalhar.
Fonte: TORRES, J. C. de O. Os construtores do Império. São Paulo: Ed. Nacional, 1968.
extraídaepuggina.org
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