Leandro Narloch: Folha de São Paulo
O Natal começa com mensagens de amor e fraternidade e termina com muita gente entediada ou irritada com os parentes.
Talvez uma coisa explique a outra. Justamente porque exigimos virtudes
de nós próprios, ficamos contrariados quando não percebemos virtudes nos
outros.
Há um passo pequeno entre a vontade de melhorar o mundo e a tentação de
legislar sobre a vida alheia. Quanto mais próximo o amigo ou o parente,
maior essa compulsão para mudar seu jeito de ser ou alinhá-lo às nossas
preferências.
Você terá um Natal mais livre e mais feliz se não acreditar em
propagandas de TV que propagam "um mundo mais humano". Será mais
tolerante com si próprio e com os outros durante as festas de fim de
ano.
Costumamos acreditar que o egoísmo é a fonte de discórdia entre famílias ou países. Mas nem todo egoísmo é mau, assim como nem todo altruísmo é bom.
Muitas guerras e maldades foram causadas pela devoção coletiva a uma
ideologia, a uma nação, e não pelo árido interesse individual. O maior
vilão de todos os tempos é um exemplo. Mensagens de ajuda mútua e auto
sacrifício permeavam livros didáticos, propagandas e lemas nazistas.
"Aprenda a sacrificar-se pela pátria", dizia a legenda de uma foto de
Hitler vendida aos alemães. "Nós somos mortais, mas a pátria segue em
frente."
E quase todas as maravilhas ao nosso redor - remédios para doenças antes
incuráveis, aparelhos para telefonar de graça a qualquer lugar do
mundo, os emojis do WhatsApp - foram invenção de gente interessada
apenas em encher o bolso de dinheiro oferecendo produtos melhores e/ou
mais baratos que a concorrência.
Como afirma Ayn Rand, a filósofa objetivista, egoísmo significa apenas
"pensar no próprio interesse", sem carga moral. O termo não
necessariamente está relacionado a trapacear, roubar ou violentar os
outros.
Pelo contrário, muitas vezes a melhor forma de atingir objetivos individuais é cooperando com os outros e construindo uma reputação de pessoa generosa e confiável.
Estudos sobre a evolução do comportamento humano, muitos deles
compilados por Richard Dawkins em "O Gene Egoísta", apagaram a fronteira
entre egoísmo e altruísmo. Mostraram que o interesse individual pela
sobrevivência (ou melhor, pela transmissão dos genes) fez dos humanos
seres essencialmente cooperativos, dotados de compaixão e desejo de
aprovação e de punir quem não coopera.
É uma interessante contradição da natureza humana. Se não fôssemos egoístas, não seríamos altruístas.
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