João Pereira Coutinho: Folha de São Paulo
A Europa está transformada em samba de uma nota só. "Populismo", eis a
palavra da moda. Encontramos artigos e artigos e artigos sobre o
monstro.
As razões do medo são óbvias: depois da vitória de Donald Trump nos
Estados Unidos, existe um espectro que paira sobre a Europa, para usar
as velhas palavras do tio Karl.
Esse espectro são líderes "populistas" que prometem transformar os seus
países em antros de ódio racial, oposição firme à União Europeia, ao
capitalismo e à imigração.
Esse clima de ansiedade e até de histeria convida a certos atos
tresloucados. Um exemplo: no dia 9 de dezembro, Geert Wilders, líder do
Partido Para a Vitória, foi condenado por "incitamento ao ódio" por um
tribunal de Amsterdã. Em 2014, Wilders defendeu que a Holanda precisa de
menos imigrantes marroquinos. Foi o que bastou para que os juízes
punissem a sua conduta.
O caso já seria problemático do ponto de vista da liberdade de
expressão. Mas ele é sobretudo grotesco quando sabemos que Wilders
lidera as pesquisas para as eleições de 15 de março de 2017.
Os analistas são quase unânimes: depois dessa condenação, os juízes
holandeses deram o prêmio que faltava para que Wilders fosse consagrado
como "mártir da liberdade" e "defensor da Holanda".
Concordo com os analistas. E só lamento que um ensaio do politólogo
grego Takis Pappas, publicado no "Journal of Democracy", não tenha sido
lido na Holanda.
O título do estudo é relevante: "Distinguishing Liberal Democracy's Challengers".
Tradução: antes de condenarmos aqueles que desafiam as democracias
liberais, é preciso distingui-los nos seus princípios e objetivos.
Fenômenos diferentes exigem respostas democráticas e legais diferentes.
Escreve Takis Pappas que é possível identificar três grupos
problemáticos na Europa: os antidemocráticos, os nativistas e os
populistas.
Os antidemocráticos são, como a palavra indica, inimigos da democracia
liberal que sonham subvertê-la ou destruí-la. O Aurora Dourada, na
Grécia, é um caso:
um grupo neonazista que condena a "ditadura parlamentar" e defende, na
teoria ou na prática, opções mais violentas de ação política.
O mesmo é válido para o Partido Comunista da Boêmia e Morávia, uma
relíquia stalinista que é o terceiro partido mais votado na República
Tcheca.
Depois vêm os nativistas: partidos que defendem os interesses das
populações nativas contra os "outros". Os "outros", uma vez mais, podem
ser a União Europeia, a globalização, a imigração.
A Frente Nacional de Marine Le Pen é o exemplo mais midiático, sobretudo
porque a França terá eleições também em 2017. O partido de Geert
Wilders, lógico, é outro. Sem esquecer o UKIP inglês que venceu as
eleições europeias (em 2014) e foi o rosto do "brexit".
Em comum, os partidos "nativistas" aceitam a democracia liberal e a
legalidade constitucional. Aliás, eles participam no jogo democrático
para vencer esse jogo.
Finalmente, os "populistas" também aceitam o pleito eleitoral. Mas
defendem princípios "iliberais", ou seja, princípios que exigem mudanças
constitucionais autoritárias, diminuição dos direitos das minorias,
maior controlo sobre a mídia, etc. etc. O caso de Viktor Orbán, premiê
da Hungria, é o mais óbvio de todos.
Perante tudo isso, que fazer?
As propostas de Pappas parecem sensatas, embora incompletas em certos
momentos. Sobre os antidemocráticos, o Estado deve usar "os meios legais
e constitucionais disponíveis para restringir a ação dos extremistas",
escreve ele.
Mas será que isso significa a proibição de partidos neonazistas ou
neocomunistas que abertamente se assumam como inimigos da democracia
liberal?
O autor não elabora sobre o tema. Eu tenho dúvidas: por um lado,
participar no regime democrático deveria implicar respeito por esse
mesmo regime; por outro, a exclusão constitucional de partidos
extremistas é uma forma perversa de os alimentar e engrandecer.
Finalmente, o autor acerta sobre nativistas ou populistas: se eles
aceitam as regras do jogo, devem ser vencidos em pleno jogo. Com
melhores candidatos, melhores argumentos, melhores políticas. E nunca,
jamais, por via judicial.
Na Holanda, o tribunal fez o trabalho sujo que deveria ser
responsabilidade dos outros partidos do sistema. Eis um erro legal e
político que o país pagará bem caro.
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