editorial do Estadão
Pressionado por um lado pela crise política agravada pelo vazamento da
primeira da série de delações premiadas da Odebrecht e, por outro lado,
pelo aumento de sua impopularidade registrado em pesquisa de opinião, o
presidente Michel Temer articula o lançamento urgente de um “minipacote”
de medidas focadas na economia, especialmente relacionadas com a
estabilização do mercado de trabalho. É o mínimo que pode fazer, até
para mostrar que o governo não está imobilizado, para manter viva a
esperança de recuperação da economia. Esta, aliás, deveria ser a maior
preocupação dos brasileiros, principalmente daqueles mais vulneráveis às
incertezas do mercado.
Há, no entanto, uma outra providência, de natureza essencialmente
política e forte conteúdo ético, que Michel Temer deveria ter a coragem
de adotar antes que acontecimentos facilmente previsíveis – as delações
que estão por vir e as consequentes ações nos tribunais – atropelem o
seu governo: afastar do núcleo duro do poder aqueles que ele e todo o
Brasil sabem que têm o rabo preso nos piores vícios de uma secular
política patrimonialista. Referimo-nos, é claro, à prática corrupta,
cuja transformação em método de gestão pública na finada era lulopetista
acabou despertando, pela exacerbação de seus efeitos deletérios, o
sentimento de indignação dos brasileiros e seu maciço apoio à missão
saneadora da Operação Lava Jato.
O próprio Michel Temer, cuja experiência e habilidade no trato de
questões políticas são reconhecidas, deveria saber que está chegando ao
fim no Brasil a tolerância dos cidadãos com a crescente falta de
cerimônia com que os políticos se acostumaram a confundir o público com o
privado e se prevalecer de seus mandatos e cargos públicos em benefício
próprio. Trata-se de uma prática que, se chegou a ser consagrada pelo
cotidiano político, extrapolou os limites do tolerável. Isso ocorreu
depois que a corrupção foi associada ao desgoverno, por obra e graça da
soberba e da descontrolada ambição pessoal dos governantes petistas e
dos aliados que liberaram para assaltar os cofres públicos.
A história do (des)governo lulopetista ainda não foi isolada do
interregno Temer. Os elencos se confundem. É claro que muitos dos
personagens acostumados ao governo, quando publicamente confrontados com
um passado pouco recomendável, não tiveram condições de permanecer ao
lado do novo presidente. Recentemente, um dos renitentes, pego em
flagrante defesa de interesses escusos, teve de deixar o círculo íntimo
do Planalto. Agora, com mais essa delação – que não é prova de delito
nem condenação judicial, mas tem devastador efeito político – passa a
hora de o presidente da República decidir se quer buscar apoio nesse
grupo deletério, que só pode arrastá-lo para o desastre ético, ou se
dele se livra, criando condições para conquistar a confiança dos
brasileiros. Mas não deve fazer isso pensando em conquistar
popularidade. Deve fazê-lo porque é a coisa certa a ser feita por um
presidente da República que coloca o respeito a seu povo e,
consequentemente, à coisa pública acima de um sentimento de fraternidade
próprio de prolongadas relações pessoais.
Na extremamente difícil conjuntura política, econômica e social em que
se encontra, o País precisa de estabilidade para que os Poderes da
República e a sociedade possam se concentrar na discussão e implantação
de medidas urgentes e eficazes que ponham em ordem as finanças públicas,
reconquistem a confiança interna e externa e criem as condições para a
retomada do crescimento econômico. Essa é uma responsabilidade que cabe
prioritariamente ao governo. É preciso, portanto, preservá-lo, porque a
urgência da ação não permite, senão em devaneios sedutores, mas
irresponsáveis, sonhar com um governo ideal, constituído apenas por
sábios virtuosos e escolhidos segundo os sonhos e ideais de cada
brasileiro.
O que temos é o governo que aí está, para concluir o mandato iniciado
por Dilma Rousseff. E o problema não é substituí-lo por outro – o que só
faria agravar uma crise que já está demasiadamente profunda e extensa
–, mas cuidar para que ele aperfeiçoe suas práticas e, sobretudo, a
qualidade moral e pessoal de seus componentes.
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