Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

"Desafio que exige coragem",

editorial do Estadão

 Pressionado por um lado pela crise política agravada pelo vazamento da primeira da série de delações premiadas da Odebrecht e, por outro lado, pelo aumento de sua impopularidade registrado em pesquisa de opinião, o presidente Michel Temer articula o lançamento urgente de um “minipacote” de medidas focadas na economia, especialmente relacionadas com a estabilização do mercado de trabalho. É o mínimo que pode fazer, até para mostrar que o governo não está imobilizado, para manter viva a esperança de recuperação da economia. Esta, aliás, deveria ser a maior preocupação dos brasileiros, principalmente daqueles mais vulneráveis às incertezas do mercado.
Há, no entanto, uma outra providência, de natureza essencialmente política e forte conteúdo ético, que Michel Temer deveria ter a coragem de adotar antes que acontecimentos facilmente previsíveis – as delações que estão por vir e as consequentes ações nos tribunais – atropelem o seu governo: afastar do núcleo duro do poder aqueles que ele e todo o Brasil sabem que têm o rabo preso nos piores vícios de uma secular política patrimonialista. Referimo-nos, é claro, à prática corrupta, cuja transformação em método de gestão pública na finada era lulopetista acabou despertando, pela exacerbação de seus efeitos deletérios, o sentimento de indignação dos brasileiros e seu maciço apoio à missão saneadora da Operação Lava Jato.
O próprio Michel Temer, cuja experiência e habilidade no trato de questões políticas são reconhecidas, deveria saber que está chegando ao fim no Brasil a tolerância dos cidadãos com a crescente falta de cerimônia com que os políticos se acostumaram a confundir o público com o privado e se prevalecer de seus mandatos e cargos públicos em benefício próprio. Trata-se de uma prática que, se chegou a ser consagrada pelo cotidiano político, extrapolou os limites do tolerável. Isso ocorreu depois que a corrupção foi associada ao desgoverno, por obra e graça da soberba e da descontrolada ambição pessoal dos governantes petistas e dos aliados que liberaram para assaltar os cofres públicos.
A história do (des)governo lulopetista ainda não foi isolada do interregno Temer. Os elencos se confundem. É claro que muitos dos personagens acostumados ao governo, quando publicamente confrontados com um passado pouco recomendável, não tiveram condições de permanecer ao lado do novo presidente. Recentemente, um dos renitentes, pego em flagrante defesa de interesses escusos, teve de deixar o círculo íntimo do Planalto. Agora, com mais essa delação – que não é prova de delito nem condenação judicial, mas tem devastador efeito político – passa a hora de o presidente da República decidir se quer buscar apoio nesse grupo deletério, que só pode arrastá-lo para o desastre ético, ou se dele se livra, criando condições para conquistar a confiança dos brasileiros. Mas não deve fazer isso pensando em conquistar popularidade. Deve fazê-lo porque é a coisa certa a ser feita por um presidente da República que coloca o respeito a seu povo e, consequentemente, à coisa pública acima de um sentimento de fraternidade próprio de prolongadas relações pessoais.
Na extremamente difícil conjuntura política, econômica e social em que se encontra, o País precisa de estabilidade para que os Poderes da República e a sociedade possam se concentrar na discussão e implantação de medidas urgentes e eficazes que ponham em ordem as finanças públicas, reconquistem a confiança interna e externa e criem as condições para a retomada do crescimento econômico. Essa é uma responsabilidade que cabe prioritariamente ao governo. É preciso, portanto, preservá-lo, porque a urgência da ação não permite, senão em devaneios sedutores, mas irresponsáveis, sonhar com um governo ideal, constituído apenas por sábios virtuosos e escolhidos segundo os sonhos e ideais de cada brasileiro.

O que temos é o governo que aí está, para concluir o mandato iniciado por Dilma Rousseff. E o problema não é substituí-lo por outro – o que só faria agravar uma crise que já está demasiadamente profunda e extensa –, mas cuidar para que ele aperfeiçoe suas práticas e, sobretudo, a qualidade moral e pessoal de seus componentes.














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