Editorial do Estadão:
Nas atuais circunstâncias, o reajuste para o topo do funcionalismo será considerado um abuso praticado por quem teria a obrigação de dar exemplo de responsabilidade e austeridade e auferido por quem deveria demonstrar preocupação e solidariedade com os milhões de brasileiros que perderam – e ainda perdem – seus empregos ou têm seus salários, se não diminuídos, congelados. Tal solidariedade deveria se materializar na espontânea e clara concordância com o adiamento do ajuste para ocasião mais oportuna. Ao contrário, é egoísmo e avidez que se veem na forte pressão exercida sobre o Planalto em defesa do aumento de proventos que, no caso do STF, já são o teto da folha salarial do serviço público.
É óbvia, no entanto, a consequência danosa desse reajuste para o saneamento das contas públicas. O aumento dos proventos dos ministros do STF, em particular, desencadearia um automático e devastador efeito cascata sobre toda a máquina governamental, inclusive sobre os já combalidos orçamentos dos Estados.
Após reunião de Temer com as lideranças aliadas, na segunda-feira passada, Geddel Vieira Lima, ministro-chefe da Secretaria de Governo, resumiu: “Agora é o momento de segurar um pouco essa questão de reajuste e enfrentar reformas estruturantes para que o País saia da crise”.
A decisão de Temer de excluir temporariamente da agenda política a discussão dos aumentos ao funcionalismo foi fortemente estimulada pela reação negativa do PSDB e do DEM ao que parecia ser a tendência do presidente em exercício de ceder à pressão das reivindicações corporativas de aumentos salariais no âmbito da administração federal, especialmente por parte do comando da Suprema Corte, que parece não ter nenhuma preocupação com a situação geral do País, apenas com seu interesse imediato de aumentar o salário dos ministros de R$ 33,7 mil para R$ 39,3 mil.
O projeto de reajuste aos ministros do STF recebeu na comissão do Senado que cuida do assunto um categórico parecer negativo do relator, o tucano Ricardo Ferraço (ES): “Este aumento é totalmente descabido. O impacto chega a quase R$ 5 bilhões porque tem efeito sobre uma série de categorias que, automaticamente, terão aumento proporcional ao do ministro do Supremo. Não dá para, em um momento em que se está impondo sacrifícios à sociedade, conceder esse benefício para apenas alguns”.
Não obstante, o próprio partido de Temer, o PMDB, parece alimentar a expectativa de que a interrupção da tramitação dos projetos seja uma medida temporária, a ser “flexibilizada” após a votação do impeachment. Na sexta-feira, em reunião com Temer com ministros e aliados, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, defendeu os aumentos com números que, segundo ele, cabem no Orçamento. E o líder do PMDB no Senado, Eunício de Oliveira (CE), também na semana passada, colheu assinaturas de líderes partidários para pedido de urgência na tramitação dos projetos que estão na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos. Mas a reação das bancadas do PSDB e do DEM abortou a iniciativa.
Michel Temer é um hábil e experiente articulador político que certamente está levando em consideração ponderações de que medidas impopulares tomadas agora podem vir a beneficiar Dilma Rousseff no julgamento do impeachment. Mas parece ter-se dado conta de que sua passagem pela Presidência da República só honrará sua biografia se demonstrar que consegue manter os interesses do País a salvo das traficâncias do varejo político. A recompensa será, também, o aplauso na Nação.
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