Mary Zaidan:Com Blog do Noblat - O Globo
O Brasil fez bonito. Atletas, organizadores, voluntários, público daqui e
de todo o lugar do planeta. Um espetáculo de orgulhar até os mais
ranzinzas. Mas em seu cotidiano o país está longe do espírito e das
lições olímpicas. Digladia-se com o seu próprio sucesso, alimenta
polêmicas inúteis. E não tem Engov capaz de refazê-lo da ressaca do dia
seguinte, quando tudo voltará a ser como antes.
Nesse meio mês de jogos, abriram-se espaços para os especialistas em
tudo, muitos execrando atletas de modalidades das quais nem mesmo
conhecem as regras. Até a torcida foi vítima da chatice do politicamente
correto, alvo de críticas por vaiar atletas, reação usual em todos os
cantos do mundo, tão legítima quanto o aplauso.
A má vontade com os jogos em um momento que não cabia mais debater se o
Rio tinha ou não de sediá-los frequentou rodas de artistas e
intelectuais, bares, esquinas, redes sociais e a mídia convencional.
Exemplo cristalizado pela Folha de S. Paulo depois da medalha de prata
em das meninas em Copacabana: “Militar, dupla não consegue quebrar jejum
de 20 anos no vôlei de praia”.
Além de desdenhar das atletas, a manchete, para lá de agressiva, expôs
uma das maiores polêmicas dos jogos: o patrocínio militar. Quase um
terço da equipe do Brasil – 145 dos 465 atletas que participaram dos
jogos – integra o Programa de Atletas de Alto Rendimento das Forças
Armadas. Tem patente de terceiro-sargento e recebe soldo.
O Brasil não é nem o primeiro nem o único país em que as Forças Armadas
bancam treinamento de atletas. Acontece na totalitária China, na
social-democrata França, na anárquica Itália. Mas, por aqui, o que
deveria ser investimento em competitividade se transformou em rixa
ideológica. Ridícula, boba, de ocasião.
Um antagonismo ranheta e ultrapassado de fundamentalistas de direita e esquerda que expressa o quão imaturo o país ainda está.
De um lado, extremistas de direita derretendo-se em loas não à
competência dos atletas, mas ao fato de eles serem militares. De outro,
esquerdóides fazendo pouco do mérito dos medalhistas. Para essa turma,
bater continência à bandeira – que já havia dado pano para manga no
Pan-americano de Toronto – é crime.
E para arrematar o conjunto de absurdos, o Ministério da Defesa se
vangloria não das vitórias brasileiras, mas do fato de uma dúzia das
medalhas serem de atletas-militares. Como se militar fosse melhor do que
civil, como se uma categoria fosse mais brasileira do que outra.
Fora o enfado de ranços dessa natureza, tudo deu certo. Os jogos da zika
endêmica e da violência extrema surpreenderam pela ausência do Aedes
Aegypti, que sabidamente some no inverno, e pela presença de
policiamento ostensivo.
Quase tudo. Não fosse a morte a tiros do soldado Hélio Vieira Andrade,
no Complexo da Maré, a escancarar de forma trágica que o Rio real não é o
olímpico, as ocorrências negativas dos jogos se limitariam a pedras
atiradas em um ônibus com jornalistas, dois assaltos de fato e outro
inventado por nadadores americanos, que feriu mais o brio dos
brasileiros do que a morte do militar de Roraima.
É inegável que o Rio - e com ele, o Brasil -- ganhou com os jogos.
Aceleraram-se projetos de reurbanização, de transporte urbano, como a
extensão do metrô e a construção do VLT, de revitalização da área
central. Mas amanhã vai acordar meio zonzo, ainda tonto. Depois, doído.
A péssima qualidade dos serviços públicos, as greves permanentes na
Educação e na Saúde, a falta até de insumos básicos nos hospitais e a
insegurança turvam o olhar para o tão propalado legado da Rio 2016. O
Estado, literalmente falido, não tem dinheiro para nada. E a cidade não
sabe o que vai acontecer quando os seis mil homens da Força Nacional,
convocados para garantir a segurança olímpica, forem embora.
Mas, como na terça-feira de carnaval, hoje ainda é domingo. Vale a folia.
No encerramento da Rio 2016, o Brasil poderá festejar o seu melhor
desempenho olímpico da história. E reverenciar a meritocracia. Sejam
homens, mulheres, gays, pretos, brancos, amarelos, civis, militares,
crentes ou agnósticos, vencem os mais preparados, os melhores. E os que
não chegam ao pódio tentam melhorar as suas marcas. Sem ódio. Uma lição
que vai muito além dos jogos. Aprendê-la seria um legado e tanto.
extraídadeavarandablogspot
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