Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O que falta a madama é o menor senso de loção

José Nêumanne:

A presidente afastada, Dilma Rousseff, tentou safar-se da condenação anunciada ao discursar no Senado Federal na própria defesa recorrendo, não a suas eventuais virtudes, mas a suas mais óbvias deficiências: falta de eloquência e confusão mental. Ela concluiu o discurso apelando para uma metáfora grandiloquente, mas totalmente irrealista, ao dizer que a democracia brasileira estava sentada a seu lado no banco dos réus: se terminasse condenada, o tal governo do povo, pelo povo e para o povo, de acordo com os antigos atenienses, sofreria o mesmo a que ela teria sido condenada: a decretação da morte política em nossos tristes trópicos.
Parece até uma imagem bonita, mas é horrenda. Pois ela implica a negação da verdade, que é a única garantia da legalidade e da legitimidade de qualquer pacto (para usar uma palavra da predileção especial dela) pessoal, familiar, social, econômico ou político. Faltar com a verdade implica quebrar qualquer acordo de qualquer natureza. E a sra. Rousseff mentiu da primeira à última palavra de um discurso montado no método cômodo, mas desonesto, do “copia e cola” aplicado pelos espertalhões para esconder seus malfeitos e exagerar eventuais conquistas.
A presidente afastada recorre ao facilitário do “copia e cola” dos redatores preguiçosos desde priscas eras. Joãozinho, um ídolo do Grêmio de Futebol Porto-Alegrense, foi uma vez vítima dessa sua prática ainda nos tempos em que ela trabalhava na assessoria da bancada parlamentar do PDT brizolista na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Encarregada de preparar um discurso para ele ler na tribuna, ela entregou ao deputado um texto que já havia sido lido antes por outro membro da bancada. Um atento e rabugento setorista percebeu e denunciou o plágio em seu jornal. Chamada pelo chefe a se explicar, ela saiu-se a seu estilo: “Você quer que eu queime meu bestunto para escrever um texto original para esse idiota?” Na defesa perante os 81 senadores na segunda-feira de manhã, copiou e colou vários textos preparados para ela com a mesma sem-cerimônia aplicada com Joãozinho. Não foi propriamente um autoplágio, pois, na verdade, os autores devem ser ignotos serviçais.
Esse, contudo, foi o menor dos pecados da encenação que empreendeu não para mudar algum voto que a salvasse de ser expelida do baralho, mas para sair bem diante das câmaras de Anna Muylaert e Petra Costa, que inauguram o gênero documentário de ficção no cinema com o registro do “golpe parlamentar, manso e branco” denunciado pela esquerda.
Dilma começou a desfiar seu lorotário particular dizendo sem corar (nem chorar, embora tenha tentado inutilmente duas vezes) que sempre acreditou no Estado Democrático de Direito. Desde que foi amestrada pelo caudilho do socialismo moreno de sua adoração, Leonel Brizola, ela tem repetido esse refrão sem ligar para o que significam Estado, democracia e direito. A não ser que estivesse sempre mentindo ao relatar suas dores e seus infortúnios ao ser submetida à tortura nos porões da ditadura na virada dos anos 60 para os 70 no século passado. Afinal, ela foi militante de um grupo armado que tinha o objetivo precípuo de substituir com o uso de armas, sequestros, assaltos e mortes uma violência por outra, esta inspirada em tiranos brutais como Stalin, Mao, Pol Pot e, last but not least, seus ídolos de carteirinha, Fidel e Raúl Castro. “Não mudei de lado, continuei lutando pela democracia”, completou.
Para reforçar essa convicção, citou o passado recente das ameaças à democracia (diga-se de passagem, de inspiração burguesa) dos anos 50 aos 80 no Brasil. Comparou seus adversários com os inimigos que levaram Getúlio Vargas ao suicídio. Na verdade, a penosa e longa leitura dos Diários do ditador do Estado Novo, publicados pela neta dele, Celina Vargas do Amaral Peixoto, ex-Moreira Franco, permite a qualquer leitor atento perceber que o primeiro patrício a ser alcunhado de pai dos pobres era um suicida vocacional. Em sua releitura heterodoxa da História recente do Brasil, Dilma ainda lembrou, em raríssimo lampejo fugaz de lucidez, que os militares da República do Galeão foram artífices dos golpes malsucedidos em Aragarças para impedir a posse de Juscelino e do cancelamento da posse do vice João (que ela chamou de “Vicente”) Goulart após a renúncia de Jânio e, em seguida, a imposição, que este aceitou, de uma solução parlamentarista para o impasse político – tentativas abortadas. Enfim, em 1964, dez anos depois de terem tentado em vão depor Gegê imerso num “mar de lama”, que, comparado com as traquinagens do PT de Dilma, não passava de uma poça, os militares empolgaram o poder e impuseram a interrupção da democracia de 1946.
A lembrança do gaúcho bonachão que se deixou seduzir pelo charme das reformas de base da esquerda e, por isso, foi derrubado a levou à comparação com o momento atual, rara impropriedade acadêmica adotada pela respeitada filósofa petista da USP Marilena Chauí. Em princípio cautelosa, Dilma denunciou o “risco de uma ruptura democrática”. Depois foi avançando até a denúncia explícita do golpe, à medida que se distanciava do texto escrito e se deixava conduzir pela própria dislexia.
Como lembrou a senadora Ana Amélia Lemos, contudo, a presença dela na Mesa do Senado ocupando por um dia o tempo de seus juízes naturais e a atenção ansiosa e angustiada da Nação desautoriza a hipótese sem nexo. De posse de um exemplar da Constituição vigente, a parlamentar reduziu seu mantra arrevesado a pó, o que não a impediu de usá-lo muitas outras vezes. O espectador atento que a acompanhou ao longo da sessão histórica foi submetido a uma tatibitate fantasia histérica e surrealista. De tudo o que ela disse e repetiu é possível perceber apenas a narrativa estapafúrdia de uma conspiração das elites e dos políticos corruptos e sequiosos de poder derrotados por ela na eleição que montaram seu impeachment com a participação do procurador do Tribunal de Contas da União Júlio Marcelo de Oliveira e a inestimável adesão de Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, por mero preconceito misógino. Aí está o pecado original para quem é capaz de acreditar na eventualidade de todos os ministros do TCU terem sido convencidos, ela não contou como, pelo procurador. E de os 513 deputados terem sido submetidos à vontade tirânica do presidente da Casa, aprovando pautas-bomba só para tornar seu desgoverno inviável e seu impeachment inevitável. Recorde-se que na comissão especial composta com interferência a favor dela por parte do STF, ela perdeu por 37 a 26 e no plenário da Câmara por 367 a 122. Além de duas vezes no plenário do Senado, uma por 55 a 22 e outra por 59 a 21.
Na defesa oral, durante a qual impôs graves lesões à gramática portuguesa, ela inventou uma inexistente eleição indireta do vice “sem votos”, Michel Temer, para seu lugar. Na verdade, este, da mesma forma como todos os deputados e senadores que autorizaram seu julgamento, a pronunciaram e agora a julgam, foi eleito. No caso de Temer, reeleito com o mesmo número de votos que ela teve pelo fato de ter sido seu parceiro na chapa. Como muitos de seus combativos defensores, tentou defender-se atacando Oliveira, Cunha e Temer, que não são personagens do julgamento de seu impeachment.
Entre uma balela e outra, Sua Excelência cometeu uma sentença bombástica: “Quem se acumplicia ao ilícito não merece governar o País”. Ninguém tenha a ilusão de que essa seja uma confissão. Nada disso. Em resposta ao senador Aloysio Nunes Ferreira, Dilma disse que, mesmo tendo cumprido rigorosamente todas as formalidades exigidas pelo STF, o impeachment é ilegítimo porque não cumpre o dever elementar da Justiça de considerar o fato real, e não os ritos jurídicos. Conclusão óbvia: se a condenarem, TCU, Câmara, Senado e STF ter-lhe-ão aplicado um golpe rasteiro. Se perdoá-la, o Senado salvará a democracia em perigo no País.
Como diria minha tia esquizofrênica, “madama não tem o menor senso de loção”.
























extraídadecolunadeaugustonunesfeiralivreveja

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