GUSTAVO FRANCO O GLOBO
Recém terminou o maravilhoso vendaval proporcionado pelos Jogos da 31.ª Olimpíada e as atenções se voltam para suas consequências mais duradouras: o que vai ser das edificações e dos melhoramentos no transporte público, quais serão os impactos sobre a economia, consideradas as dívidas e as impressões deixadas no público estrangeiro.
Tudo considerado, um dos legados mais importantes da festa parece estar localizado em uma província mais subjetiva, onde está o caráter nacional, ou o imaginário coletivo, onde estávamos mesmo muito necessitados de alguma novidade para revigorar valores que andavam esquecidos.
Os Jogos Olímpicos trouxeram uma impressionante invasão de conceitos importantes que serviram para redefinir a experiência do esporte, colocando-a num patamar diferente daquele normalmente associado ao futebol, paixão nacional antiga e complicada.
Do esporte, já sabíamos sobre a celebração do talento quando combinado ao esforço, da excelência associada à disciplina e da estrita lealdade às regras. Mas, no futebol, esses temas parecem diminuídos por conta do dinheiro, dos cartolas, das negociatas da Fifa, dos estádios superfaturados e das coisas acontecendo fora das quatro linhas.
O fato é que, mesmo dentro do campo, a experiência olímpica foi singular, talvez principalmente ao introduzir novas ideias sobre ganhar e perder, talvez finalmente reabilitando uma máxima que a esperteza nacional se encarregou de desmoralizar, segundo a qual a competição é o que importa, ou que são vencedores todos os que competem, ou que o certame é maior que os participantes.
Acho que é isso o que Fernando Pessoa quer dizer ao afirmar que “a gramática é mais perfeita que a vida. A ortografia é mais importante que a política”, uma máxima que não me sai da cabeça, cada vez que Dilma Rousseff se aproxima de um microfone, e fala de golpe como Putin ao louvar o espírito olímpico.
Para entender a grandeza dessa simples sabedoria é preciso perder. Como de fato ocorreu conosco, muitas vezes nas últimas três semanas. Havia 2.102 medalhas em disputa, das quais o Brasil ganhou 19, equivalente a 0,9% do total, ao participar de 226 eventos, com 485 atletas em 36 esportes. O Goldman Sachs previu 22, considerando, entre outras coisas, que o Brasil representou 2,86% do PIB mundial em 2015, e que teríamos certa vantagem como país-sede.
Não há nada de errado em perder, especialmente onde somos iniciantes, sendo motivo de justo orgulho ser o 8.º ou o 20.º do mundo em alguma coisa difícil de fazer. É importante conhecer o seu lugar no planeta, que não será, provavelmente, o mais alto. Perder engrandece, se você colocou a sua alma na disputa, se você enxerga o talento do outro, o estrangeiro e diferente, e se você entende que o certame é maior do que você.
Perder é democrático ademais, pois democracia pressupõe alternância, ninguém vai ganhar todas e sempre, nem mesmo o “dream team”. Os pódios se modificam e os recordes são sempre batidos. Só é preciso seguir o que disse Bernardinho após o ouro no vôlei: trabalho, esforço, seriedade, ética, e seguir fazendo a coisa certa. E nem assim existe garantia da vitória.
Totalmente diferente é a desclassificação, diante do doping e de pedaladas, que são violações às regras. Isso é trapacear, comportamento que exclui o participante e ofende o esporte, onde só há demérito na indisciplina e na malandragem.
Como seria bom se tais conceitos fossem transportados para a economia e para a política, onde a prevalência da esperteza e da busca de boquinhas, encostos e refeições gratuitas parece apontar exatamente para a outra direção: o importante é não competir.
Na verdade, o governo gasta muito dinheiro público para apoiar campeões ungidos geralmente por artificialismo decorrentes da falta de concorrência, e com pouco sucesso. Acho que o BNDES teve mais sucesso com os campeões na canoagem – que patrocinou não tão modestamente – do que com os da economia, e por uma fração diminuta do custo.
* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS.
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