ELIANE CANTANHÊDE ESTADÃO
Como nada é perfeito, muito menos o Brasil e o Rio, tivemos ônibus de estrangeiros apedrejado, um soldado da Força Nacional assassinado com um tiro na cabeça, um técnico alemão morto num acidente de trânsito e um festival de pequenos furtos – de carteiras, celulares, objetos pessoais. Sem falar na ciclovia que desabou, na “piscina verde” e nas críticas às condições (ou falta de) das águas cariocas e nos entupimentos da Vila Olímpica.
Todas essas coisas poderiam ter acontecido em qualquer outra parte do mundo, com exceção, talvez, do soldado vítima do tiro ao entrar por engano na Favela da Maré. Mas, dificilmente, o clima de festa teria sido tão contagiante. Logo, o Brasil tem desvantagens que não são exclusividades brasileiras, mas tem festas com muita personalidade.
Os piores temores geraram intensos debates dentro e fora do País, mas só antes do início dos Jogos. Bastou a bela e criativa cerimônia de abertura, que cativou a imprensa mundo afora, para que ninguém mais falasse ou sequer se lembrasse de atentados terroristas, de Estado Islâmico, Al-Qaeda, Aedes aegypti, zika, dengue, chikungunya e H1N1.
Negros, louros, mulatos, mulheres e homens de todos os cantos do mundo caíram na maior farra e houve até o triste episódio do norte-americano Ryan Lochte inventando uma mentira cabeludíssima só para, aparentemente, esconder da namorada que andava chegando às 7 da manhã no hotel. Mas não há notícia de epidemias, gripes, contágios.
Dentro das quadras e piscinas, o Brasil pouco evoluiu: com 200 milhões de habitantes, sol o ano inteiro, florestas, oceanos, mares, rios e cachoeiras, poderia sonhar, e sonhou, em ficar entre os dez primeiros, mas acabou em 13.º lugar, com 19 medalhas, sete delas de ouro. Com essas condições e esses anos todos para se preparar, poderia sair melhor.
Mas também é justo destacar que as nossas medalhas foram emocionantes. Rafaela Silva, no judô, Thiago Braz, com o recorde do salto em vara, Alison “Mamute” e Bruno Schmidt, no vôlei de praia, o time do Bernardinho, que começou mal, foi crescendo e levou o ouro. Tudo foi disputado, chorado, comemorado à brasileira. E o Isaquias, que sai da Olimpíada com três medalhas, direto da Bahia para o mundo? E o choro do Diego Hypólito ao ganhar a prata?
E não foi só isso. Difícil descrever o fascínio dos brasileiros diante de Usain Bolt, Michael Phelps, Simone Biles? Tudo aqui pertinho, no Rio, no Brasil. Arenas, pistas e a grande maioria das piscinas deram conta, a iluminação foi perfeita e a torcida brasileira... bem, foi a torcida brasileira.
Além disso, o Rio herda dessas duas semanas o BRT, o novo metrô, dois museus, o Porto Maravilha. O estádio aquático pode ser desmontado e instalado em comunidades carentes, parte significativa do Complexo de Marechal será delegado ao Exército, Marinha e Aeronáutica, para treinar jovens talentos e patrocinar atletas prontos.
Olimpíadas não resolvem os males nacionais, mas ajudam a sacudir positivamente a autoestima do País e a mostrar que, “yes, we can”, sim, nós podemos fazer uma festa muito bonita de abertura, receber bem milhares de estrangeiros, criar as condições necessárias para realizar os jogos mais importantes do planeta. O impeachment da primeira presidente mulher, a crise econômica, o desemprego, a Lava Jato e a desigualdade social continuam, mas a Olimpíada deixa uma nação de alma lavada, com a sensação de dever cumprido.
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