Jornalista Andrade Junior

sábado, 5 de janeiro de 2013

O mágico de bairro

O mágico de bairro é triste. É aquele sujeito que conhece dois ou três truques velhos como o bairro, e tenta ludibriar o público com os gestos cansados de quem já nem mesmo sabe o que faz ali. Ele faz por fazer, faz para não ter quem lhe pergunte: “Você não era aquele que fazia...”. Sim, era. Não é preciso muita atenção para perceber que sua habilidade é pouca. Os movimentos todos, impudicos, se revelam: de onde está saindo a água, onde foi parar o coelho, o dedo falso que pretende esconder o lenço, a moeda que escorrega por trás da orelha, sob a camisa. Somente as crianças lhe dão alguma atenção, e mesmo elas não mais se. Ninguém mais se impressiona, mas ele não pode deixar de ser o que é.
“Quando quis tirar a máscara/ Estava pegada à cara/
Quando a tirei e me vi ao espelho/ Já tinha envelhecido”

Marilena Chauí é o mágico de bairro da esquerda brasileira. Conhece ainda alguns truques, poucos e pouquíssimo convincentes. Há quem lhe dê ouvidos, mas é só. Nem mesmo sua recente tentativa de tornar ideologicamente legítima a aproximação do PT com o famigerado Paulo Maluf – “Grande administrador!” – pode ser vista como novidade: apenas mais uma tentativa de reescrever a história e dizer que a genuína tomada de poder ainda está por vir. É o velho truque da esquerda: lançar ao futuro a conta da revolução. Que as gerações vindouras saldem as dívidas, limpem o sangue, justifiquem o silêncio. Feito isso, os mais radicais e menos competentes – os barulhentos marginais do proletariado – bradam, sinceros, que o partido se corrompeu, e acusam os primeiros de não ser realmente a esquerda. E a história se repete tristemente.
A professora da USP, nada propensa a considerar toda a, como direi, nervura do real, prefere mesmo lidar com as categorias estáveis próprias do socialismo, “aquela espécie de alfaiate que quando a roupa não fica boa, faz alterações no cliente”. As pessoas realmente atrapalham, e exigir coerência é um modo de insultar. Visto doutro modo, no entanto, o que há é coerência demais em tudo: José Sarney, Fernando Collor de Mello e Paulo Maluf não são os antigos inimigos que agora servem à causa – e talvez um dia não mais servirão. São os precursores de um modo de se fazer e entender a política recente que só pode ser plenamente compreendido com o advento do petismo.
Para compreender o país, não é preciso recorrer a'Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, ou a Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre. Basta o genial ensaio de Jorge Luis Borges, Kafka e seus precursores. O que há de pior na política brasileira carecia de nome. Sempre existiu, certamente, e Lula não pode se orgulhar desavisadamente. Era o que de ruim se fazia e apenas se apontava com o dedo. Agora, não. O petismo finalmente deu sentido, nome e sobrenome à infâmia – atual e pregressa. Só entendemos Paulo Maluf à luz de Marilena Chauí.


Publicado no site Ad Hominem.

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