O
mágico de bairro é triste. É aquele sujeito que conhece dois ou três
truques velhos como o bairro, e tenta ludibriar o público com os gestos
cansados de quem já nem mesmo sabe o que faz ali. Ele faz por fazer, faz
para não ter quem lhe pergunte: “Você não era aquele que fazia...”.
Sim, era. Não é preciso muita atenção para perceber que sua habilidade é
pouca. Os movimentos todos, impudicos, se revelam: de onde está saindo a
água, onde foi parar o coelho, o dedo falso que pretende esconder o
lenço, a moeda que escorrega por trás da orelha, sob a camisa. Somente
as crianças lhe dão alguma atenção, e mesmo elas não mais se. Ninguém
mais se impressiona, mas ele não pode deixar de ser o que é.
“Quando quis tirar a máscara/ Estava pegada à cara/Quando a tirei e me vi ao espelho/ Já tinha envelhecido”
Marilena
Chauí é o mágico de bairro da esquerda brasileira. Conhece ainda alguns
truques, poucos e pouquíssimo convincentes. Há quem lhe dê ouvidos, mas
é só. Nem mesmo sua recente tentativa de tornar ideologicamente
legítima a aproximação do PT com o famigerado Paulo Maluf – “Grande
administrador!” – pode ser vista como novidade: apenas mais uma
tentativa de reescrever a história e dizer que a genuína tomada de poder
ainda está por vir. É o velho truque da esquerda: lançar ao futuro a
conta da revolução. Que as gerações vindouras saldem as dívidas, limpem o
sangue, justifiquem o silêncio. Feito isso, os mais radicais e menos
competentes – os barulhentos marginais do proletariado – bradam,
sinceros, que o partido se corrompeu, e acusam os primeiros de não ser
realmente a esquerda. E a história se repete tristemente.
A professora da USP, nada propensa a considerar toda a, como direi, nervura do real, prefere mesmo lidar com as categorias estáveis próprias do socialismo, “aquela espécie de alfaiate que quando a roupa não fica boa, faz alterações no cliente”.
As pessoas realmente atrapalham, e exigir coerência é um modo de
insultar. Visto doutro modo, no entanto, o que há é coerência demais em
tudo: José Sarney, Fernando Collor de Mello e Paulo Maluf não são os
antigos inimigos que agora servem à causa – e talvez um dia não mais
servirão. São os precursores de um modo de se fazer e entender a
política recente que só pode ser plenamente compreendido com o advento
do petismo.
Para compreender o país, não é preciso recorrer a'Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, ou a Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre. Basta o genial ensaio de Jorge Luis Borges, Kafka e seus precursores.
O que há de pior na política brasileira carecia de nome. Sempre
existiu, certamente, e Lula não pode se orgulhar desavisadamente. Era o
que de ruim se fazia e apenas se apontava com o dedo. Agora, não. O
petismo finalmente deu sentido, nome e sobrenome à infâmia – atual e
pregressa. Só entendemos Paulo Maluf à luz de Marilena Chauí.
Publicado no site Ad Hominem.
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