editorial do Estadão
Um aparente paradoxo tem intrigado os institutos de pesquisa e uma parcela significativa da imprensa e da academia: o silêncio das ruas. Parece desconcertante, para este grupo, a ideia de que um presidente tão impopular como Michel Temer – cujo governo é avaliado como “bom” ou “ótimo” por apenas 5% dos brasileiros, de acordo com a mais recente pesquisa do instituto Datafolha – não se configure em um fator de mobilização social capaz de levar os cidadãos às ruas por sua destituição do cargo, como milhões o fizeram em 2013 e já em 2015, desta vez pelo impeachment de Dilma Rousseff.
Aqueles que se debruçarem sobre resultados objetivos e os analisarem com independência e rigor técnico, a despeito de eventuais preferências político-ideológicas, hão de perceber que aquela é uma falsa contradição.
A explosiva combinação de incompetência, arrogância e má-fé que marcou a infeliz passagem de Dilma Rousseff pela Presidência da República afundou o País na pior recessão econômica desde 1948 – quando o Produto Interno Bruto (PIB) passou a ser calculado pelo IBGE – e deu ao povo as razões objetivas para o descontentamento que transformou ruas e avenidas do País inteiro em um canal transmissor dos anseios da Nação.
Em função da grave crise gerada pelo governo da presidente cassada Dilma Rousseff, pela primeira vez desde a implementação do Plano Real, que debelou a inflação e restituiu valor à moeda, os cidadãos passaram a ter medo de perder as conquistas sociais e econômicas das últimas duas décadas. Isso motivou as manifestações de 2013.
Este receio passou. Embora a grande maioria dos brasileiros considere o governo do presidente Michel Temer “ruim” ou “péssimo”, a ausência de manifestações contrárias nas ruas, como as observadas há dois anos contra Dilma Rousseff, pode ser entendida como um sinal de que o processo de recuperação econômica já é sentido pela população.
Tanto é assim que a pesquisa do Datafolha que registrou a impopularidade recorde do governo também apontou para o aumento do porcentual de brasileiros que veem na permanência de Michel Temer na Presidência um fator de estabilidade para o País e, consequentemente, uma proteção ante a ameaça de retrocessos econômicos (ver editorial O compromisso do presidente, publicado em 9/10/2017).
É de reconhecer, no entanto, que capturar o estado de espírito dos brasileiros no atual momento por que passa o País não é uma tarefa fácil. Talvez só com o distanciamento temporal os historiadores, sociólogos e cientistas políticos possam traçar diagnósticos acurados sobre as percepções dos cidadãos em relação a algumas das mais relevantes questões nacionais.
Uma boa tentativa de interpretação dos sinais emitidos pela população foi uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em agosto deste ano, que resultou no recém-publicado estudo O dilema do brasileiro: entre a descrença no presente e a esperança no futuro.
Trata-se de um bom termômetro emocional da Nação, que lança luz sobre as percepções dos brasileiros no momento particularmente conturbado por que passa o País.
O resultado da pesquisa da FGV aponta para uma desconfiança generalizada da população em relação aos políticos, aos partidos e até mesmo à própria democracia. Para uma expressiva parcela dos entrevistados – 42,4% –, no Brasil não há democracia.
Em relação à economia, o que se depreende da pesquisa é uma forte tendência à valorização das percepções pessoais quando confrontadas com os dados objetivos. Não obstante os números insuspeitos que atestam a queda da inflação, do índice de desemprego e da taxa básica de juros, estes indicadores “pioraram” no último ano para 64%, 74% e 78% dos brasileiros, respectivamente.
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