por José Casado O Globo
Assistiam ao “Jornal Nacional”, quando a garota de 17 anos perguntou:
“Pai, por que quando uma pessoa vai presa vocês não fazem nada, e só
quando um deputado é preso é que vocês podem dizer se ele pode ir preso
ou não?”
O deputado André Correa (DEM), de 53 anos, contou ter achado a questão “difícil”: “Porque é assim que está na Constituição”.
Ex-presidente do Conselho de Ética da Assembleia, Correa votou na última
quinta-feira pela libertação dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e
Edson Albertassi. Como outros, ancorou seu voto na recente
interpretação do Supremo sobre a “independência harmoniosa” que rege o
princípio constitucional da separação dos Poderes.
É da Casa legislativa — decidiu o STF —, a resolução sobre a prisão ou
medida cautelar de parlamentares. Redigida de maneira dúbia sobre sua
fronteira de aplicação, será preciso esclarecer se foi específica para o
Congresso ou se é extensiva às assembleias e câmaras.
No caso do Rio, porém, a luz do sol expõe um problema que não está na
tese, mas na realidade: os processos da Operação Lava-Jato demonstram
décadas de interferências indevidas no Executivo, no Legislativo e no
Tribunal de Contas em benefício de empresas privadas contratadas para
serviços de obras e de transporte.
O que diferencia o Rio no mapa nacional da corrupção é a comprovação da
captura e submissão dos Poderes do estado a redes privadas de
influência. Empresas conquistaram hegemonia no orçamento público, nos
últimos 20 anos, mediante pagamento de propinas — em dinheiro vivo,
entregue em carro-forte nos escritórios montados exclusivamente para
lavagem do patrimônio de políticos e burocratas de aluguel.
Sobram documentos e testemunhos sobre essa lógica de máfia nas 25 ações
penais abertas nos últimos 17 meses — uma a cada três semanas, e 60%
delas contra o ex-governador Sérgio Cabral. No repertório de evidências
destaca-se a história da tomada do poder no Estado do Rio pelos seis
sindicatos empresariais que compõem a Fetranspor.
Administradora de 3,5% da receita dos bilhetes de ônibus e do
vale-transporte, coletava dinheiro nas garagens para distribuição de
propinas no Executivo e no Legislativo. Havia uma remuneração fixa e um
variável (40%) pelos benefícios obtidos em incentivos fiscais, no
aumento anual de tarifas e na apropriação do saldo do bilhete único
expirado. O suborno incluía a defesa do setor sobre cada vírgula de 50
projetos na Assembleia e, também, nas auditorias do Tribunal de Contas
estadual, como mostra a manobra para nomear o deputado Edson Albertassi
ao Tribunal de Contas, na vaga do ex-presidente do TCE Jonas Lopes, que
virou delator. O governador Luiz Fernando Pezão diz ter sido
surpreendido no emparedamento. O procurador-geral do estado, Leonardo
Espíndola, insurgiu-se e renunciou. Acabou detonando a prisão dos
deputados.
O cartel pagou propinas até maio passado. Dois meses antes, recebeu do
prefeito Marcelo Crivella mais isenções fiscais: as empresas deixam de
pagar R$ 71,7 milhões neste ano, R$ 75,6 milhões em 2018 e R$ 79,3 em
2019.
Caros, ruins e perigosos, os ônibus simbolizam a captura do Estado por
grupos políticos a serviço de interesses privados. No Rio, a lógica
mafiosa subverteu a “independência harmoniosa” entre Poderes.
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