por José Nêumanne O Estado de S.Paulo
A um ano do turno definitivo das eleições gerais de 2018, o cidadão
brasileiro tem presenciado um circo de horrores na cúpula federativa da
República brasileira, com lances dignos da tragédia mais deslavada e da
comédia mais escrachada.
Na interminável novela da indecisão do PSDB quanto a continuar servindo a
Temer ou renunciar, o quarteto ministerial tucano foi reduzido a trio
com a renúncia de Bruno Araújo, pernambucano que deu o voto capital pelo
impeachment de Dilma, um gesto simbólico, e saiu de fininho do
Ministério das Cidades. Para o lugar dele o chefe do governo não
pestanejou e nomeou o obscuro membro do baixíssimo clero da Câmara dos
Deputados Alexandre Baldy. Este adentrou a Esplanada dos Ministérios
recomendado por circunstâncias genealógicas e de proximidade: é primo de
Elsinho Mouco, marqueteiro do Planalto com pouco talento e menor senso
de oportunidade por adotar como slogan do mandato-tampão o lema
positivista de Auguste Comte Ordem e Progresso,
inscrito na Bandeira Nacional. Destarte, sendo este tido como muito
chegado ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a fome juntou-se à
vontade de comer, como já diziam os mais antigos. Laços familiares e
interesses em votações no Congresso eliminaram uma anotação desagradável
de sua biografia: nos velhos tempos de Waldomiro Diniz e das relações
promíscuas entre o governo Lula, as loterias e a contravenção penal, foi
descrito no relatório final de uma CPI como “o garoto de ouro de
Carlinhos Cachoeira”, o bicheiro de Goiás de Demóstenes Torres e dos
irmãos da JBS.
Não é algo que se possa definir como boa estirpe, mas em nada se compara
com similar episódio referente a outro posto estratégico do primeiro
escalão: sem as verbas polpudas da pasta desprezada por Araújo, a
Secretaria de Governo, que, segundo as más línguas, continua sendo
tocada por gente de confiança do baiano Geddel Vieira Lima, embora seja
comandada por outro baiano, o tucano Antônio Imbassahy,
E foi aí que a porca torceu o rabo. Imbassahy gostou do emprego e quer
ficar na poderosa esplanada. Mesmo que lhe seja destinada uma pasta
ocupada por uma correligionária, a juíza também baiana Luislinda Valois,
transferida para o pelourinho de uma aposentadoria de R$ 32 mil com a
perda do Ministério dos Direitos Humanos.
Mas Aécio Neves, o Mineirinho do departamento de propinas da Odebrecht,
tomou as dores do deputado e exigiu de Temer “dignidade” na hora de
desalojar as aves de rica plumagem do ninho fofo do poder federal. Como a
História registra, o PSDB perdeu a eleição presidencial para Dilma
Rousseff, soit-disant “work alcoholic”, e seu vice, empossado depois do alívio do impeachment dela.
Diante do súbito brio do derrotado neoaliado, Temer cedeu e, em nome da ira sagrada de que se viu assomado depois de ler na Coluna do Estadão a
confirmação do convite a Carlos Marun para o posto que comanda as
negociações entre Planalto e Parlamento, ele o pôs no congelador até o
próximo dia 9. Essa é a data para a qual está marcada o convenção do
PSDB em que se escolherá o substituto do neto de Tancredo na
presidência. E, assim, a Nação conhecerá se, afinal, o partido se aliará
ou se separará do chefe dos chefes, Temer.
Isso se deu no instante em que o Tribunal Federal da 3.ª Região (TRF-3)
recusou os embargos impetrados pelo ex-governador de Minas Eduardo
Azeredo, acusado dos crimes de lavagem de dinheiro e peculato, cometidos
na eleição estadual de 1998, no esquema conhecido como mensalão tucano.
A denominação deriva do fato de ter sido imitado depois pelo PT no
primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência e tendo
como operador o mesmo Marcos Valério de Souza, o único condenado nos
dois processos que ainda está preso. Azeredo, por exemplo, continua
solto, enquanto Zé Dirceu samba em casa de tornozeleira no calcanhar.
Delatado por Joesley Batista, a quem pediu R$ 2 milhões “para pagar a um
advogado”, Aécio foi protagonista da famigerada reunião do Supremo
Tribunal Federal em que a presidente Cármen Lúcia desempatou a seu favor
a votação para lhe permitir sair de casa à noite. E frequentar durante o
expediente o plenário do Senado. Foi nessa condição de usuário do
direito constitucional de ir e vir que foi a Temer exigir que seu
partido seja tratado com dignidade, o que só merecerá se fechar questão a
favor da reforma da Previdência.
A tal dignidade tem prazo de validade. Até o dia 9 Imbassahy fica, mas
no dia 10 Marun assume. Tendo acompanhado a lealdade canina do nobre
parlamentar a seu ex-presidente e sempre chefe, Eduardo Cunha, recolhido
à cela da Lava Jato em Curitiba, a Nação vê aproximar-se o dia em que o
Caranguejo da Odebrecht partilhará parte do poder do chefe de Estado no
semiparlamentarismo adotado e assumido por Temer com Rodrigo Maia.
Essa é mais uma ironia da deusa Clio, que comanda do alto do Olimpo
nosso destino sorvendo goles de néctar. Com 3% de popularidade, o
presidente da República ficou no posto em troca de votos comprados de
deputados que evitaram o desabamento da espada de Dâmocles sobre seu
pescoço e por mercê do medo do tal do mercado de vê-lo substituído pelo
filho de Cesar e dona Mariangeles Maia. E enquanto Rodrigo Botafogo (no
jargão do propinês) comanda o destino das cidades, Carlos Cunha (ou
Eduardo Marun?) tece os fios de Ariadne no reino desencantado das
cumbucas do povo: uma posta, outra emborcada, ambas mandando.
O cara do Cunha assumirá o posto para evitar a derrota anunciada da
reforma da Previdência. Quem o nomeará se esqueceu de que o Centrão pode
derrotá-la, mas não tem força para participar de sua improvável
vitória. Este jornal já informou que dois terços das aposentadorias não
seriam afetadas pela nova versão da reforma. Nem isso, contudo, parece
fácil de ser aprovado.
extraídaderota2014blogspot
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