por Ruy Castro Folha de São Paulo
No
infantilismo político que nos domina, em que só se admite adesão total a
este ou àquele lado e a menor restrição a um é tomada como apoio ao
outro, o debate racional já pediu o boné. Amigos deixaram de se ver e,
se por acaso se encontram, evitam falar de política, em nome do tempo em
que suas discordâncias se limitavam ao futebol.
Ou se é de "direita" ou de "esquerda", não há meios-tons. E, nessa divisão esquemática e burra, até a história leva a breca.
Um jovem conhecido meu, de "esquerda", empolgado com os cem anos da
Revolução Russa, admira por igual Lênin, Trotski e Stálin. Não acreditou
quando lhe contei que, morto Lênin em 1924, Stalin não sossegou
enquanto não expulsou Trotski da URSS, em 1929 —e que, inclusive no
Brasil, os comunistas eram proibidos de falar com trotskistas e tinham
de mudar de calçada à aproximação de um deles. Stalin poderia fazer
acordo com o próprio Hitler —o que ele fez, em 1939—, mas não com
Trotski, que finalmente matou em 1940. O garoto não sabia de nada disso.
Só sabia que era de "esquerda".
A política obriga a ideologia aos piores contorcionismos. Há dias, para
surpresa de ninguém, o PT eliminou a palavra "golpe" de seus palanques
e declarou "perdoados" os algozes de Dilma.
Está certo. Não fica bem insultar os odiados inimigos de véspera com
quem se quer fazer espertas alianças eleitorais. Só que, ao ver Lula de
novo aos beijos com Renan Calheiros, como ficam as pessoas que levaram
os últimos anos se destratando e cortando relações?
Há uma terceira via, que permite manter a coerência pessoal e desagradar
os dois lados. Em 1983, perguntei a Millôr Fernandes o porquê de seu
atrito permanente tanto com a esquerda como com a direita. Ele
respondeu: "Com a direita, por ser de direita. E, com a esquerda, por
ser de direita".
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
0 comments:
Postar um comentário