Em reunião privada em junho de 2011, a presidente Dilma Rousseff disse
ao então presidente da Venezuela, Hugo Chávez (1954-2013), que a
renegociação do Tratado de Itaipu com o Paraguai seria usada como
argumento para persuadir Assunção a aceitar a Venezuela no Mercosul.
A reunião foi registrada em telegrama secreto redigido por um funcionário do Itamaraty. O documento, obtido pela Folha, indica que a renegociação serviu de moeda de troca pelo Brasil para favorecer o governo Chávez.
No mês anterior ao encontro, o Senado brasileiro aprovara um acordo
entre Brasil e Paraguai que triplicou o valor pago pelo governo ao país
vizinho pelo excedente de energia da hidrelétrica.
Na época, a oposição no Senado disse que passaria o valor pago de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões anuais.
Editoria de arte/Folhapress | ||
O documento diplomático foi entregue pelo Itamaraty ao Ministério
Público Federal do Distrito Federal no inquérito civil que apura suposto
tráfico de influência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na
relação entre governos estrangeiros e empreiteiras brasileiras.
No encontro com Chávez, Dilma disse, segundo o telegrama, que a adesão
da Venezuela ao Mercosul "fortalecerá o bloco". Naquele momento, o
Paraguai se opunha à ideia.
Dilma, porém, procurou acalmar Chávez: "Lula está empenhado, junto a
interlocutores no Paraguai, na aprovação da adesão da Venezuela pelo
Congresso paraguaio. Nós aqui também estamos ajudando. A aprovação do
acordo por troca de notas sobre Itaipu, pelo Congresso brasileiro,
deverá contribuir para que o Congresso paraguaio se torne mais propenso a
examinar favoravelmente a questão da adesão da Venezuela", disse.
Sergio Lima - 31.jul.2012/Folhapress | ||
Hugo Chávez, Dilma Rousseff, José Mujica e Cristina Kirchner em Brasília, em 2012 |
'NAVE SERENA'
Em resposta, Chávez disse que "ama" o Brasil. Alegou que não conseguiu
adquirir aviões militares fabricados no Brasil por pressão dos EUA, mas
com aviões de uso civil "não há dificuldades".
"Quero reiterar a importância da integração regional", disse Chávez.
"Lula foi uma tábua de salvação para mim quando fui eleito em 2002. O
golpe de abril de 2002 foi um baque grande para meu governo. O apoio
regional nos momentos subsequentes foi valioso. O Brasil é uma nave
grande e serena; a Venezuela, uma lancha de ataque."
O uso de Itaipu já havia sido levantado pelo Brasil quatro meses antes
em um encontro entre Chávez, o chanceler brasileiro, Antonio Patriota, o
assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, e outros
membros do governo venezuelano, inclusive o então chanceler Nicolás
Maduro, hoje presidente.
O Itamaraty considerou o evento "encontro privado" e o registrou em
telegrama secreto. Na reunião, Chávez disse que vinha "trabalhando para
acelerar a adesão" do seu país ao Mercosul, mas que não estava "disposto
a sofrer pressões indevidas por parte do governo paraguaio".
"Confidenciou" ter indicado a Maduro que, se os entraves do Parlamento
paraguaio continuassem, "seria melhor deixar o Mercosul e passar a se
concentrar mais em fortalecer as relações bilaterais".
Marco Aurélio Garcia, então, procurou acalmá-lo.
"Com vistas a alcançar clima político mais propício ao Paraguai, o
professor Garcia relatou os esforços brasileiros para atender demandas
paraguaias relativas a Itaipu", diz o telegrama, assinado pelo
embaixador José Antônio Marcondes de Carvalho.
"O assessor especial da PR [presidente] Rousseff sugeriu que a Venezuela
convidasse [o general paraguaio que viveu no Brasil] Lino Oviedo
[1943-2013] para visita a Caracas com o propósito de alargar sua base de
apoio no Congresso paraguaio."
A Venezuela aderiu ao Mercosul no ano seguinte a essas conversas, em agosto de 2012.
ODEBRECHT
Na reunião, Chávez ainda propôs criar um fundo de financiamento para
projetos bilaterais, citando que a Construtora Odebrecht "já aceitou
mecanismo de remuneração parcial em petróleo".
Dilma respondeu que a empreiteira poderia ajudar.
"Será importante envolver nesse processo o presidente da Associação
Brasileira de Construção Civil. A Odebrecht pode ajudar muito com
habitação", afirmou.
O Palácio do Planalto não comentou o telegrama.
extraídaderota2014blogspot
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