JOÃO SAYAD VALOR ECONÔMICO
Não concordo. Mesmo que o problema fiscal fosse o resultado de uma conspiração, continuaria sendo um problema real para a economia.
Judeus e muçulmanos não comem carne de porco. Interpretam literalmente a cosmogonia do Genesis e os animais que apresentam distorções com relação aos planos divinos são interditados: peixes sem escamas, o porco por causa da anatomia singular do pé e a lagosta que anda e não nada. Estudos demonstraram que o porco tinha menos doenças do que outros animais que serviam para a alimentação na Antiguidade. E daí? Vamos obrigar judeus e muçulmanos a abandonar valores de 5 mil anos? São valores tão reais quanto a lei da gravidade para judeus e muçulmanos.
Se o tamanho e o crescimento da dívida pública apavoram o setor financeiro tornam-se um obstáculo tão real quanto a crise hídrica. A propriedade do dinheiro está concentrada em poucas mãos e são os seus valores (ou a teoria que os orienta) que determinam a sua reação. Portanto, ainda que concluíssemos que a crise fiscal fosse o resultado de uma conspiração pró-impeachment, o obstáculo continuaria lá, sólido e intransponível. A política fiscal teria que mudar, assim como os restaurantes da Faixa de Gaza continuariam não servindo costelas de porco.
Por outro lado, os economistas conservadores e o editorial de primeira página da "Folha" gritam - corta, corta, corta! como se a crise fiscal fosse o principal problema do país. E pedem que a equipe econômica e a presidente apresentem ao Congresso, no meio da crise política, medidas que o Congresso rejeita por razões escusas e ao contrário, aprova aumentos salariais para o setor público e outras bondades que agravam o problema fiscal.
Se fosse possível mudar a economia sem levar em conta a política, a solução seria fácil - os salários nominais seriam congelados, a proteção à industria nacional seria desmontada, os programas sociais adiados etc. Seria como exportar carne suína para o Irã ou jogar futebol sem goleiro.
Por outro lado, a atitude conservadora - corta, corta - só seria justificável se o problema fosse agudo, isto é, exigisse uma solução forte e imediata. Antes do rebaixamento, podia ser um problema agudo. Agora é tarde. O ministro da Fazenda afirma que alcançado o equilíbrio fiscal, restaura-se a confiança e a economia volta a crescer. Por que? A confiança volta apesar da Lava-Jato?
O problema não é agudo, isto é, não precisa ser resolvido totalmente no ano que vem ou em 2017. E no curto prazo, muitas soluções estão à disposição.
Parte do desequilíbrio fiscal decorre de fraudes, má gestão e resultados inesperados. As despesas com o seguro desemprego cresciam mais quanto menor era o nível de desemprego. O Fies dobrava de valor todos os anos. Um programa admirável, impossível de ser mantido mesmo que o Brasil crescesse a taxas chinesas. O seguro defeso estava contaminado por fraudes. Assim como os investimentos da Petrobras estavam "errados", digamos assim. Nenhum destes problemas faz parte de uma política fiscal expansionista. São antes o resultado de má gestão, fraudes e corrupção.
Na questão da previdência, as informações são controversas. E mexer com elas num momento como este só poderia dar no que deu - as condições de aposentadoria foram modificadas de forma a aumentar as despesas com a previdência.
Não há dúvidas que a previdência é um problema. Mas não é de curto prazo. As despesas da Previdência para o setor privado, isto é, para os aposentados e pensionistas do setor privado e urbano é superavitária! De onde vem o déficit? Parece que vem da Previdência para os trabalhadores rurais e de outras fontes. Técnicos do INSS apresentaram ao governo várias medidas que poderiam reduzir o déficit da Previdência no curto prazo sem que neste infeliz momento político fossem necessárias medidas tão difíceis.
A dívida bruta pode chegar a 70%. Mas se descontarmos da dívida bruta apenas as reservas em dólares, que valem mais ou menos R$ 1,6 trilhão ou quase 30% do PIB, o valor passaria a 40%. O Tesouro Nacional acumula saldos financeiros excepcionais em torno de 12% do PIB para se precaver contra uma possível desconfiança do setor financeiro que dificultaria a colocação de dívida pública. Se reduzisse este saldo para 5%, que é a proporção usualmente praticada, a dívida pública se reduziria mais 10%.
Não é uma recomendação pois o jogo entre governo e mercado financeiro é complicado e talvez a estratégia do Tesouro esteja correta. Mas estas medidas poderiam levar o país às condições do Tratado de Maastrich. Poderíamos entrar na zona do Euro!
A economista Monica de Bolle afirma que se as taxas de juros continuarem nestes níveis para combater a inflação, a inflação pode sair do controle, pois estaríamos numa situação de dominância fiscal, quando a política monetária é impotente para combater a inflação. Propõe que a âncora da inflação seja a taxa cambial. Proposta difícil pois lembra a primeira fase do Plano Real. Mas é uma boa ideia.
Chamo, seguindo o professor Thomas Sargent, de dominância fiscal o caso em que as taxas de juros reais são maiores do que a taxa de crescimento do produto, o que acontece no Brasil há vinte anos. Se as taxas de juros fossem reduzidas um pouquinho, digamos de 14,25% para 13,25%, o Tesouro economizaria pela menos 1% do PIB, ou R$ 50 bilhões. Mais do que a receita da CPMF e sem necessidade de aprovação parlamentar. Neste caso, estaríamos indo contra valores e crenças do mercado financeiro. Mas o setor empresarial talvez apoie. Os economistas conservadores, de jeito nenhum.
Portanto, há caminhos menos difíceis para os problemas agudos. Os problemas graves podem aguardar até o dia em que houver governabilidade e algum respeito ao interesse público por parte dos políticos. Estes, sim, são problemas agudos.
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