Jornalista Andrade Junior

sábado, 24 de outubro de 2015

Carta de um médico para a presidente da República

Não temos que agradecer nada que a senhora fez, pois não fez mais do que a obrigação. O dinheiro é nosso, a cidade é movida pelo nosso empenho. O povo é seu patrão!
Roberto Cacciari, médico
 
Sra. Dilma Rousseff, tudo bem? Pelo que a senhora tem dito, está tudo bem, sim! Pude observar por fotos sua boa aparência enquanto visitava hoje pela manhã a cidade em que eu moro: Catanduva, aqui no interior de São Paulo. Porém, nós brasileiros não estamos tão bem quanto a senhora!
Desculpe-me não poder aplaudi-la hoje. Eu estava trabalhando, como sempre. A propósito, é isso que os brasileiros mais fazem para tentar consertar o seu desgoverno. Confesso, adoro trabalhar. Isso não é problema para mim. Porém, trabalhar sem perspectivas de mudança e melhoria, isso me incomoda. Cansamos de improvisar para resolver os desatinos do seu governo. Quem gosta de dar um jeitinho em tudo, são vocês aí de cima; nós, médicos, cansamos!
A senhora veio até a nossa cidade e “exigiu” um leito de UTI reservado apenas para atender um eventual problema. Senhora presidente, nossos pacientes que vivem à espera de um leito, às vezes até morrem aguardando, como ficam? A senhora deveria dar o exemplo: primeiro, como cidadã que se preocupa com seus pares, cedendo sua vaga para aqueles que realmente precisam; segundo, como autoridade, indicando a postura a ser seguida. Agindo como fez, reiterou o caos que se encontra a saúde pública desse país. Até a senhora precisa reservar leito, tamanha dificuldade de vagas!
Mas fique tranquila, caso sofresse algum mal súbito ou algum atentado  contra sua saúde, atenderíamos a senhora com muito prazer. Porém, se precisasse de vaga de UTI, deveria aguardar na emergência até surgir um leito. Poderia demorar dias, até semanas. Aliás, é assim que funciona. A senhora não sabia? Passe uns dias aqui conosco para averiguar. Venha sentir o ambiente da emergência e das enfermarias. Quem sabe isso desperte compaixão perante o povo sofrido que cuidamos incessantemente.
Como se não bastasse, exigiu reserva de um leito na enfermaria. Precisamos muito do espaço que a senhora solicitou. No hospital de nossa cidade atendemos outras 19 cidades circunvizinhas que encaminham seus pacientes para cá. Nossa emergência vive lotada, os corredores contêm macas por todos os lados. Alguns pacientes aguardam dias até surgir uma vaga na enfermaria. Por que a senhora quer um leito reservado?
Convém recordar que a senhora é representante do povo, todos pagam impostos expressivos sobre o salário e todos os bens e serviços. Vale destacar que a senhora é o funcionário que mais dá prejuízo nesse país. Basta olhar os noticiários do Brasil e do mundo.
Notei barulho de vários helicópteros. Desculpe, não tive tempo de olhar pela janela para ver como eram. Cabe informar que seu transporte muito confortável poderia estar sendo utilizado para salvar vidas. Aqui em nossa região temos inúmeras estradas vicinais. Os acidentes são constantes e inúmeros óbitos são registrados. Já que melhorar as estradas não é possível, pelo menos nos dê condições de atender as vítimas com agilidade.
A cidade referência de nossa região, São José do Rio Preto, precisa ainda mais de um helicóptero como o seu. Faça um favor, ande de carro. Seja humilde, assim como seu povo é. Bem como o papa Francisco foi, quando visitou o Brasil. Assim conhecerá melhor as estradas do Brasil sob o seu desgoverno e dará exemplo de dignidade.
Como se não fosse suficiente toda a reserva no hospital tirando leito de quem precisa, ainda solicitou que três viaturas do SAMU estivessem ao seu dispor. Senhora presidente, trabalho no SAMU há seis anos. Conheço muito bem as necessidades e prioridades desse serviço. Cobrimos, 24 horas por dia, 19 cidades. Muitas vezes precisamos de suporte de mais viaturas para atender ocorrências com inúmeras vítimas, porém não temos disponível, nem profissionais
Observe, atendemos cerca de 500 mil habitantes em nossa região, com apenas um médico disponível do SAMU para socorrer! Agora, a senhora vem aqui nos visitar e exige um médico apenas para a senhora? Faça-me o favor, senhora presidente! Estamos sobrecarregados e ainda a senhora vem tumultuar nosso ambiente?
Além de tudo, veio acompanhada de três médicos, exaustivamente acompanhando a senhora, inclusive com desfibrilador a postos. Saiba que Catanduva, SP, tem médicos competentes o suficiente para atendê-la em caso de necessidade. Tenha certeza que será muito bem atendida, enfrentamos bem situações adversas.
Aliás, a senhora solicitou que uma sala cirúrgica estivesse livre e desocupada, ao seu dispor. Não sei se a senhora não sabe, mas precisamos de mais salas cirúrgicas para atender toda a demanda de pacientes. Não raramente, precisamos priorizar quem operamos. Alguns precisam aguardar a sala cirúrgica ser desocupada para ser operados. Às vezes, não dá tempo… Ora, a senhora quer uma disponível exclusivamente para uma eventual cirurgia? Pergunto: e o José, a Maria e o João? A vida deles é menos importante que a sua?
E a segurança? Além dos seus inúmeros seguranças particulares, a senhora mobilizou nosso contingente para resguardar sua integridade. Cerca de 50 policiais à sua disposição, além de viaturas. Ora, e a segurança da nossa população? Somos 115 mil habitantes e precisamos de mais segurança. Atendemos baleados, esfaqueados e agredidos com frequência em nosso serviço. Muitos deles precisam do espaço que a senhora reservou para seu “eventual” atentado.
Enfim, senhora Dilma, desculpe-me alongar. São tantas as dores que guardamos no coração… Vê-la dissimuladamente festejar entrega de casas populares dá-nos náuseas. Não estamos de brincadeira, senhora, queremos respeito com nosso suor. Exigimos que nos represente com honestidade e cuide de nossa população, ainda mais dos que precisam de condições mínimas de saúde.
Não me venha dizer que não sabia de nada dos desvios do seu governo e que não tinha conhecimento do comportamento delituoso das pessoas com quem estava se envolvendo. Agora responda por suas ações (e pela ausência delas!), cumpra com seus deveres e ao menos conserte o estrago feito.
Não temos que agradecer nada que a senhora fez, pois não fez mais do que a obrigação. O dinheiro é nosso, a cidade é movida pelo nosso empenho. O povo é seu patrão! Portanto, da próxima vez, nem venha. Trabalhe! Busque soluções concretas para o poço sem fundo que o país está. Rápido, antes que nosso Brasil vire pó.
Agora, pergunto: Sra. Dilma, a que veio? Da próxima vez, peça licença. Chega, estamos cansados!
Dr. Roberto Cacciari 





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