CARLOS ALBERTO SARDENBERG O GLOBO
Bom, a maconha é um caso mais polêmico, mas isso de aumentar o gasto público certamente aparece como uma tentação para muita gente por aqui. Não admira se daqui a pouco o PT e o Instituto Lula chamarem Trudeau para dar uma palestra em Brasília.
O Canadá tem até uma semelhança econômica com o Brasil. O país encontrou enormes reservas de petróleo e beneficiou-se largamente do “boom das commodities” — a explosão de preços e volume de exportação de energia e matérias-primas. Como o Brasil também, o Canadá sofre hoje com a queda dos preços das commodities.
Infelizmente, porém, as semelhanças param por aí. O Canadá é rico. Sua economia industrializada, de alta tecnologia, tem um PIB na casa de US$ 1,5 trilhão, para uma população pequena, de 35 milhões. Dá mais ou menos uma renda per capita de US$ 42 mil/ano, quase quatro vezes a brasileira. É forte na indústria e serviços, além da mineração. Está no acordo de livre comércio com os EUA, tem amplo acesso ao maior mercado do mundo.
Outra diferença: os canadenses foram mais eficientes e mais rápidos na exploração do petróleo — aberta aos capitais privados — enquanto o Brasil de Lula e Dilma ficou anos debatendo o modelo de exploração do pré-sal, para, afinal, escolher um sistema que trava a exploração.
Mas a diferença mais importante, para o caso, está no manejo das contas públicas. É verdade que o Canadá tem uma dívida pública elevada, coisa de 90% do PIB, maior que a brasileira. Mas é uma comparação prejudicada, pois a dívida canadense é mais abrangente. E, sobretudo, é financiada por uma ridícula taxa de juros de 1,4% ao ano — contra os 14,25% que o governo brasileiro paga.
Perguntarão: como um país com dívida mais elevada paga juros tão mais baixos?
A resposta é aquilo que não se entende no Brasil: anos, anos e anos de equilíbrio fiscal. Uma longa história de estabilidade. No final dos anos 90 e início deste século, foram 12 anos seguidos de superávit nas contas públicas. O governo foi para o déficit na crise de 2008, mas sob controle. Hoje, esse déficit está na casa de 1,8% do PIB — abaixo do padrão internacional de prudência (3%).
No Brasil, o déficit equivalente, o nominal, que inclui a despesa financeira, passa dos 8%.
A inflação canadense também é ridícula, 1,2% ao ano. (Brasil, 9,7%).
Tudo considerado, faz sentido quando Trudeau diz que o governo pode gastar um pouco mais, e tolerar um pouco mais de inflação, para tentar turbinar uma economia que cresce apenas 1,1% ao ano.
(Outra diferença notável: o Brasil caminha para uma recessão de 3% neste ano).
Mesmo assim, o novo primeiro-ministro ressalva: serão três anos de déficit público controlado; os investimentos, de US$ 46 bilhões, vão para a infraestrutura. Ou seja, uma política de gastos com metas bem precisas orientando o mercado.
Já por aqui, tem meta de inflação, mas não é cumprida. A meta fiscal muda toda hora e agora inventaram uma flexível, do tipo se der, deu; se não der, paciência.
O debate “ajuste fiscal versus gasto público para estimular a economia” caiu muito errado no Brasil. Uma coisa é turbinar o gasto em uma economia estável, com uma história de equilíbrio fiscal. Outra, em um país com histórico e prática de verdadeiros abusos com o dinheiro público.
Além disso, tem gasto bom e gasto ruim. A verdade é que os governos Lula e Dilma já aumentaram fortemente o gasto e o déficit. Para isso? Inflação alta, recessão e juros nas alturas?
Pensando bem, era bom mesmo que Trudeau viesse dar uma palestra por aqui.
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