CRISTIANO ROMERO VALOR ECONÔMICO
Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda na gestão Palocci e especialista em comércio exterior, José Tavares de Araújo Jr. discorda da relação direta que se faz entre desvalorização cambial e aumento de competitividade na indústria. Ele lembra que, entre 2010 e 2014, a taxa de câmbio efetiva real, que leva em conta o peso relativo de cada parceiro comercial do país e a respectiva taxa de câmbio, sofreu desvalorização de 100%. Apesar disso, o impacto sobre as exportações, no período, foi "virtualmente nulo".
De fato, números oficiais mostram que, entre 2010 e 2014, o que se viu foi o recuo das exportações brasileiras de produtos manufaturados e semimanufaturados.
"Não é possível identificar, nos últimos 25 anos, qualquer influência da taxa de câmbio no comportamento das exportações industriais. Entre 1992 e 1998, a moeda doméstica estava apreciada e as exportações cresciam num ritmo apenas modesto. Entre 1999 e 2002, não obstante os dois picos de desvalorização, o desempenho exportador foi similar ao do período anterior", sustenta Tavares Jr., hoje um dos diretores do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), um "think tank" com sede no Rio de Janeiro.
Por outro lado, durante o boom de commodities provocado pelo forte crescimento da China, a apreciação do real frente a outras moedas coincidiu com o auge das exportações de manufaturas. Entre 2003 e 2008, elas saltaram de US$ 33 bilhões para US$ 93 bilhões.
"Na literatura sobre os padrões de comércio gerados pela revolução nas tecnologias da informação, são abundantes os argumentos que demonstram a irrelevância da taxa de câmbio para explicar o desempenho industrial das economias contemporâneas. As variáveis que importa examinar dizem respeito a economias de escala, capacidade inovadora das firmas domésticas, barreiras à entrada nos distintos mercados, custos de transação, à natureza dos incentivos concedidos pelo governo e ao perfil das instituições nacionais", argumenta o ex-secretário.
Tavares Jr. se alinha aos economistas - eles não são muitos no país - que não veem como um problema em si o fato de um país em desenvolvimento, como o Brasil, ter moeda forte. Ele lembra que a China, desde a entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, adotou como prioridade a transformação do yuan (ou renminbi) em moeda conversível (ou moeda de reserva). Esse processo teria se iniciado, na prática, em 1996, quando o governo chinês aderiu às normas do artigo VIII dos estatutos do Fundo Monetário Internacional, e será concluído quando o yuan passar a integrar os Direitos Especiais de Saque (DES), a moeda escritural do Fundo.
"Na prática, a moeda chinesa já é conversível, como atesta sua crescente participação nas transações mundiais", diz Tavares Jr. A política do governo chinês, em última instância, está provocando a apreciação do yuan. De acordo com o Bank of International Settlements (BIS), a taxa de câmbio efetiva real da moeda chinesa teve valorização de 43% entre 2005 e 2013.
"Recentemente, perguntei a um economista chinês se ele não estaria preocupado com a provável continuidade dessa tendência nos próximos anos e obtive a seguinte resposta: ´Não. Este fenômeno inaugurou uma fase promissora. Renminbi significa moeda do povo e, para justificar esse nome, precisa ser forte porque, assim, beneficiará o país de várias formas, ao elevar os salários reais e o poder de compra da população, ao mesmo tempo em que barateia as importações e facilita a internacionalização das firmas chinesas. Além disso, a apreciação cambial obriga o governo a reestruturar aquelas indústrias que não conseguem enfrentar a concorrência das importações´", relata o diretor do Cindes, que é doutor em economia pela Universidade de Londres.
Mencionando o último Trade Policy Review (TPR) da OMC sobre a China, Tavares Jr. informa que as autoridades chinesas têm adotado medidas para lidar com os efeitos da apreciação cambial, que, na avaliação do ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, é "o custo da decisão do governo de Pequim de tornar o país um gigante geopolítico". Há dois anos, o governo fixou metas de reestruturação para nove indústrias atingidas pela acelerada apreciação do yuan. "Em todos os ramos, o objetivo comum é alcançar configurações setoriais equivalentes aos padrões mundiais de excelência tecnológica", atesta Tavares Jr..
O diretor do Cindes diz que, no Brasil, prevalece a ideia, contrária à predominante na China, de que a apreciação cambial que vigorou aqui na última década passada apenas promoveu desindustrialização e que, agora, o país está se livrando desse problema. "As cotações do real desde 2012, as mais baixas nos últimos 25 anos, são comemoradas não só porque protegem a indústria doméstica, mas também por seus efeitos sociais ´perversos´. Há poucos dias, ouvi o seguinte comentário num evento social: ´Viajar ficou mais caro, mas, em compensação, não iremos mais esbarrar em brasileiro pobre no exterior´", diz Tavares Jr.
Especialistas ensinam que câmbio, assim como taxa de juros, é um preço. Reflete fatores que compõem os fundamentos de uma economia. Mendonça de Barros acredita que os fatores que apreciaram o real na gestão Lula e nos anos iniciais do primeiro mandato da presidente Dilma - o boom de commodities e o forte aumento dos termos de troca (relação entre preços de exportações e importações) - não vão se repetir. Ademais, diz ele, a deliberada política de tornar o yuan uma moeda de reserva já está provocando a perda de competitividade da indústria chinesa, favorecendo a indústria de países emergentes como o Brasil. Na verdade, a desvalorização do real já teria sido consequência da mudança da política cambial da China, que antes mantinha o yuan artificialmente desvalorizado para estimular as exportações.
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