O trabalho é em sala confortável na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, com ar-condicionado, serviço de copa completo, carro, motorista, combustível e moradia grátis.
O cargo é de chefia, com salário de R$ 21 mil. Somadas as gratificações, vai a R$ 77 mil mensais. Tem ainda uma renda variável, um bônus anual — o último foi de R$ 46,4 mil. Detalhe: a rotina impõe o uso de terno e gravata.
Infelizmente, não há vagas disponíveis em ministérios como o das Minas e Energia. Os cargos “de natureza especial” — no jargão burocrático — e com essa remuneração são privilégio do pessoal com vínculos políticos e, também, daqueles que as empresas estatais do setor elétrico enviam a Brasília.
Oficialmente, a elite da burocracia federal ganha menos que os ministros e a presidente da República (R$ 24,3 mil, a partir de novembro). Na vida real, alguns driblam as barreiras e recebem salário com todas as gratificações admissíveis no serviço público, inclusive adicional de “periculosidade” (um terço do salário básico), mais os benefícios concedidos pelas instituições e empresas públicas de onde vieram.
Para as estatais é um excelente negócio, pois o funcionário cedido hoje ao primeiro e segundo escalões do governo federal será o que vai autorizar seus projetos e fiscalizá-las amanhã.
Fica ainda melhor: cada centavo da remuneração paga ao empregado cedido a Brasília é integralmente reembolsado pelo Tesouro Nacional, via ministério. Como ele recebe pela empresa, é do seu interesse pecuniário que ela obtenha do ministério o mais privilegiado tratamento possível.
Em junho, a endividada Eletronorte, do grupo Eletrobrás, distribuiu aos 3,4 mil empregados uma fatia do lucro de R$ 2,2 bilhões, produto do aumento médio de 29% na contas de luz e da manipulação de créditos fiscais.
Um dos seus funcionários emprestados ao Ministério de Minas e Energia, em Brasília, embolsou R$ 152 mil — um terço como participação nos resultados da estatal. Outros levaram até R$ 100 mil.
Conflito de interesses
O domínio de posições chave na Esplanada dos Ministérios por conglomerados estatais como Eletrobrás, Petrobras e Banco do Brasil, entre outros, motivou a abertura de uma investigação do Ministério Público Federal. Há suspeita de conflitos de interesses e de manipulação de informações privilegiadas. É caso simbólico da confusão que prevalece na gestão de órgãos, de pessoal e da folha de pagamentos do governo federal.
Com 618 mil funcionários na ativa, Dilma Rousseff dispõe de uma força de trabalho 26% maior do que a de Lula. Foram 130 mil contratações entre 1º de janeiro de 2003 e o último dia 30 de junho. Significa que a folha de pagamentos da administração federal (excluídas as estatais) recebeu cerca de 40 novas inscrições de servidores a cada dia útil.
O custo de pessoal deve ultrapassar R$ 100 bilhões neste ano — um aumento de 58% no período, descontada a inflação.
A gerência da folha a cada ano fica mais complexa. À margem do salário mensal proliferam recompensas pecuniárias que a pressão da máquina sindical acaba incorporando à remuneração, sob a forma de direito adquirido.
Existem atualmente 37 tipos de gratificações. Os principais beneficiários são os “comissionados”— servidores efetivos, cedidos por órgãos e empresas estatais ou sem vínculo com o serviço público. Eles ocupam cargos e funções de chefia, também chamados de confiança, e têm acesso à maior parte desse amplo cardápio de compensações financeiras.
Em junho, somavam 103.313 pessoas, representando 16% da força de trabalho governamental. Estão no centro de uma teia burocrática onde não se admitem processos simples.
Até o mês passado, existiam 39 ministérios (agora são 31) com 49,5 mil áreas administrativas divididas em 53 mil núcleos responsáveis, em tese, pelas políticas públicas.
Em consequência, uma iniciativa no setor de água, por exemplo, envolve nada menos que 134 órgãos. Na saúde, são 1.358 organismos com poder decisório. Na educação, contam-se 1.036 áreas de gestão e, na segurança, há 2.375 segmentos operacionais. Isso apenas no âmbito federal, de acordo com o Sistema de Organização e Inovação Institucional do Governo (Siorg).
Sobre essa rede, paira a sombra de um emaranhado de instituições e normas de controle e fiscalização. A burocracia nacional produz em média 520 novos regulamentos por dia, estima o Instituto Brasileiro de Planejamento. Ano passado, o país superou a marca de cinco milhões de leis, resoluções e portarias — para tudo e para todos.
Existe órgão federal para qualquer tipo de problema nacional. A começar pelos da própria burocracia, como é o caso do Departamento de Gestão das Carreiras Transversais. O que não existe é vaga em cargo de chefia, comissionada. Na eventualidade, nomeia-se um interino até a solução, geralmente política.
Uma chefia de 38 palavras
No dia 29 de outubro do ano passado, o ministro do Trabalho cumpria o ritual de fim de expediente mais comum no serviço público: assinar papéis. Havia 72 horas que Dilma Rousseff fora reeleita e o então ministro Manoel Dias estava inquieto sobre o seu futuro no governo. Representava o PDT, partido de origem da presidente, mas naqueles dias nem mesmo a reeleita tinha certeza sobre seu novo ministério.
Aos 76 anos, dos quais 54 dedicados à política, Dias se resguardou na rotina dos despachos, no ritmo de um final de tarde primaveril, em meio à ressaca eleitoral em Brasília. Sobre a mesa encontrou a habitual pilha de documentos, na quase totalidade destinada a atender ao público interno — promoção, remoção, nomeação e substituição de subordinados.
Entre eles, estava a indicação de “substituto eventual” para um cargo de confiança descrito em título de 38 palavras: Chefe da Divisão de Avaliação e Controle de Programas, da Coordenação dos Programas de Geração de Emprego e Renda, da Coordenação-Geral de Emprego e Renda, do Departamento de Emprego e Salário, da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego. É um emblema da dimensão da burocracia. Uma das consequências é o descontrole nas despesas, que derivam no déficit orçamentário.
É obra resultante de décadas de governantes seduzidos pela recorrente ilusão de consolidar a “maior base parlamentar do ocidente”, como projetava o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu no início do governo do PT, em 2003.
Lula criou 18,3 mil cargos de confiança em oito anos. Dilma instituiu 16,3 mil em apenas quatro anos, conforme dados do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape), mantido pelo Ministério do Planejamento. Na média, contribuíram com a criação de oito novos postos por dia no topo da inchada burocracia estatal.
Fonte: O Globo.
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