O filósofo inglês Roger Scruton escreveu um artigo acerca da tentativa dos conservadores ingleses em reformar o partido conservador, alegadamente para “resolver um problema de imagem em relação ao público pós-moderno”, e “acompanhar a mudança social”.
No fundo, o que Roger Scruton critica é a tentativa de transformar o
partido conservador inglês em um partido de esquerda, tornando a
política inglesa num feudo do pensamento único esquerdista e
politicamente correto.
Os
ideólogos da reforma do partido conservador inglês — tal como acontece
aqui com os “submarinos” no CDS/PP de Paulo Portas — colocam a religião
de parte e subestimam a soberania do país, ou seja, seguem à letra dois
princípios fundamentais da ação política de esquerda. Na cultura
antropológica, os “conservadores” ingleses seguem a estratégia política
de fratura social, por exemplo, com o apoio ao “casamento” gay. Ou seja,
as diferenças fundamentais e tradicionais entre o partido conservador e
o partido trabalhista esbatem-se, abrindo espaço político para uma
maior radicalização da esquerda inglesa.
Contra
a postura dos reformadores do partido conservador, como é o caso, por
exemplo, de David Cameron, Roger Scruton identifica o conceito de
“modernização” com o conceito de “presentismo”; “modernização”, segundo a
cultura intelectual atual, parece significar a eliminação da História e
do passado histórico. E se o partido conservador se moderniza segundo
este conceito, perderá o seu apoio social e será extinto.
Por outro lado, Scruton constata que o partido conservador não soube lidar com a retórica da igualdade,
que caracteriza a esquerda. A retórica da igualdade não tem nada a ver
com a verdade na política, mas apenas com sofismas, com a manipulação
emocional e com o populismo de esquerda. A retórica da igualdade é a premissa de todo e de qualquer argumento da esquerda.
O argumento da igualdade transformou-se na condição de qualquer
proposição política de esquerda, a que se juntou a retórica esquerdista
da liberdade — sendo que as duas retóricas esquerdistas, a da igualdade e
da liberdade, são contraditórias, porque a partir do momento em que a
liberdade é efetiva, esta entra em conflito invariavelmente com a
igualdade.
A atual retórica política de esquerda é — nas palavras de Scruton — “simples, persuasiva e falsa”: é a prevalência cultural da doxa que Platão denunciou nos sofistas gregos, em detrimento do episteme da teoria do conhecimento que “já não consegue silenciar os gritos da retórica esquerdista do igualitarismo a qualquer custo”.
A falácia esquerdista da “soma-zero”, que diz que a razão por que
alguns são ricos é porque outros são pobres, já não pode ser destruída
pelas teorias econômicas da escola austríaca. A retórica sentimental
esquerdista e simplista da “compaixão” destrói e corrói o conceito de justiça da lei comum, segundo Burke, e corrompe a defesa de Hegel em relação à família natural e às corporações da sociedade civil. A batalha política atual trava-se entre o sentimento da esquerda e a razão da direita.
Na medida em que modernização se identifica com presentismo, a retórica de esquerda incute no cidadão comum a ideia de Carpe Diem: “o que interessa é viver o dia de hoje, porque amanhã estaremos todos mortos”. Modernizar significa esquecer o passado e ignorar o futuro. “Nenhum
de nós pagará pelo desbunde dos empréstimos e gastos do Estado e pelos
desregramentos na economia, e portanto, vamos gozar o presente porque a
morte é certa. E quem vier atrás de nós que feche a porta.” Perante esta retórica esquerdista — diz Scruton —, os conservadores perderam a batalha, porque não têm nenhum argumento, que seja popular,
contra ela. Na medida em que a retórica se relaciona com as aparências
(doxa) e não com a verdade (episteme), qualquer argumento que contrarie a
lógica “carpe Diem” epicurista da esquerda, está condenado ao fracasso.
Em
nome da igualdade esquerdista, uma geração inteira de jovens ingleses
vulgariza-se e perde qualidade. A modernização identificada com o
presentismo e com a retórica carpe Diem,
reduziu o nível de poupança das famílias inglesas a quase zero e o
aumentou astronomicamente o nível de endividamento das famílias. Há 25
anos, as três profissões mais desejadas pelos jovens ingleses eram as de
professor, economista e médico; hoje, as três profissões mais desejadas
pelos jovens ingleses são as de futebolista, estrela do rock e ator de
telenovela. A decadência atual da sociedade inglesa não é uma mera
“teoria da conspiração da direita”: antes, baseia-se em fatos culturais
concretos e em indicadores econômicos objetivos e científicos.
Associada
à retórica política populista de esquerda, está a desconstrução
esquerdista de um ideal de sociedade e da sua ordem, e que dividiu o
povo para poder reinar. A História inglesa foi desconstruída e passou a ser uma razão para se ter vergonha de ser inglês.
Conclui Scruton que o conservadorismo inglês atual está morto. E
concluo eu — e não Scruton — que a Europa, e não só a Inglaterra, está
numa encruzilhada entre dois tipos de regimes políticos: ou um
totalitarismo europeísta à esquerda que se agiganta a nossos olhos, ou
um autoritarismo nacionalista à direita que seja um obstáculo seguro a
esse totalitarismo.Orlando Braga edita o blog Perspectivas – http://espectivas.wordpress.com
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