Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 6 de março de 2013

Estas mulheres foram à luta armada

Carlos I.S. Azambuja

Em setembro de 1996 a revista “Marie Claire” publicou uma reportagem com o título acima, resultado de uma entrevista com seis mulheres que “foram à luta armada”.
É interessante recordar essa matéria. Muitos dirão: “Caramba! Eu não sabia!”. Em nenhuma outra época no Brasil se viu tanta mulher pegar em armas. Participaram de atentados, seqüestros de diplomatas e de aviões comerciais, assassinatos de policiais e militares, “justiçamentos” e das guerrilhas urbana e rural. Segundo o “Dossiê de Mortos e Desaparecidos Políticos a partir de 1964”, editado pelo grupo “Tortura Nunca Mais”, 24 foram mortas e 20 estão desaparecidas. Embora seja difícil fazer as contas, participaram da luta armada cerca de 100 mulheres.
Dulce de Souza Maia, militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), foi uma das primeiras mulheres e pegar em armas em ações de absoluto atrevimento. A pegar e usar. Segundo ela, “a guerrilha está aí, revisitada, e desta vez na ofensiva, cobrando do Estado reparações morais e indenizações por conta de seus mortos e desaparecidos, entre eles quase 50 mulheres”.
Dulce Maia, um misto de agitadora cultural e guerrilheira urbana, considerada “boa de pontaria e expropriação”, foi uma das presas a receber a visita do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, nos idos de 1969.
Foi ela quem expropriou a ambulância utilizada pela VPR para o roubo de armas do Hospital Militar do Cambuci, em São Paulo, em 1968. Também foi ela quem participou da pesquisa que resultou no “justiçamento” do capitão do Exército dos EUA Charles Chandler. Também integrou o grupo que assaltou a loja de armas Diana que, segundo ela, lhe rendeu de presente “uma arma bonita, um Smith 32”.
Dulce Maia aprendeu a atirar com o então capitão Carlos Lamarca, no quartel de Quitauna, em São Paulo. “Tenho boa pontaria porque tenho bom olho. Usei 32, 38, metralhadora INA, FAL, M2...”, diz ela. Dulce foi presa em 26 de janeiro de 1969 e banida do país em junho de 1970, em troca da liberdade do embaixador Von Holleben, seqüestrado no Rio de Janeiro. No exterior, com seu companheiro, também banido, José Diógenes Carvalho de Oliveira – o Diógenes, do PT/RS – perambulou pelo México, Cuba, Argélia, Chile, Bélgica, Guiné-Bissau e Portugal, retornando ao Brasil após a Anistia concedida em agosto de 1979.
Vera Silvia Araújo de Magalhães foi militante do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR8), no Rio de Janeiro. Quando estudante de Economia da Universidade Federal Fluminense, em 1967, passou a integrar a Dissidência da Guanabara (cisão do PCB) e, logo depois, o Comitê Central dessa Organização.
Na entrevista, Vera Silvia diz que sua primeira “ação” foi uma “expropriação” de armas no gasômetro do Leblon, ocasião em que um agente de segurança foi ferido. Duas metralhadoras INA e dois revólveres 38 foram o saldo da “ação”.
No início de 1969, Vera Silvia passou a integrar a Frente de Trabalho Armado da Dissidência (DI) e participou de diversas “expropriações”: carros, supermercados, carros-fortes, bancos, etc. “Carros, era um por semana”. Em 19 de agosto de 1969, cerca de 15 dias antes do seqüestro do embaixador dos EUA, Charles Burke Elbrick, Vera Silvia participou do assalto ao apartamento do deputado federal Edgar Guimarães de Almeida, uma cobertura em Copacabana, de onde roubaram dinheiro, jóias e quadros.
Em seguida, Vera também integrou o grupo que seqüestrou o embaixador dos EUA, cumprindo a tarefa de levantar os hábitos do embaixador. Para isso, esteve várias vezes na embaixada, na rua S. Clemente, em Botafogo, passando-se por doméstica em busca de emprego. Durante o seqüestro propriamente dito, em 4 de setembro de 1969, Vera participou do “esquema de segurança”.
A partir daí passou a viver na clandestinidade, em “aparelhos” da Organização nos subúrbios do Rio de Janeiro, evitando contatos com a família e os amigos. Afinal, Vera foi presa durante uma “ação”, no Jacarezinho, dando e recebendo tiros em decorrência de um cerco da polícia, sendo ferida na cabeça. Vera Silvia foi banida do Brasil em junho de 1970, em troca da liberdade do embaixador Von Holleben. No exterior viveu em vários países com três diferentes companheiros, um deles Fernando Paulo Nagle Gabeira, também banido, também pertencia à DI e também participante do seqüestro do embaixador Charles Elbrick.
Recentemente (final de fevereiro) Vera Silvia concedeu uma longa entrevista a uma emissora de TV narrando as suas peripécias e dizendo que suas atividades atuais são as de ministrar palestras sobre temas diversos, em favelas do Rio de Janeiro. A entrevista foi divulgada para todo o país pelo canal 10 da NET: TV Câmara...
Lucia Maria Murat Vasconcelos, que foi militante do MR8, disse que sua última “ação” foi em 1971: um assalto a um supermercado, no Rio, integrando dois grupos “com revólveres e metralhadoras”. “Foi um momento de grande clarividência". – disse ela – “Ali ficou claro que aquele bando de gente de classe média estava contra nós (...). Foi a primeira sensação forte de que a gente tinha acabado. Naquele momento percebi que estávamos isolados, que era preciso sair daquele círculo vicioso”. Para o MR8, o ano de 1971 foi o começo do fim.
Na entrevista, Lucia Murat, que foi presa em 13 de março de 1971 e que hoje é cineasta, preferiu manter em segredo suas muitas “ações” realizadas no Rio de Janeiro e em Salvador, Bahia.“Eu era uma gatinha da Zona Sul do Rio. Debutei. Era bem-nascida. Tenho orgulho do compromisso que assumimos com a revolução (...) Tenho a impressão que caí porque tinha gente infiltrada. Fui seguida por dois órgãos diferentes, o Exército e a Aeronáutica”.
Renata Ferraz Guerra de Andrade tem um currículo que junta educação clássica, formação em artes cênicas e participação direta em diversas “ações”, como o roubo de armas do Hospital do Exército, no Cambuci, São Paulo, de onde foram roubados 11 fuzis, e a explosão de um carro-bomba contra a entrada do QG do então II Exército, quando morreu estraçalhado o soldado Mario Kosel Filho. Segundo ela, “essa ação não serviu para nada. Somente para matar o rapazinho”.
Diz ela: “Eu usava um revólver 32 ou uma Beretta com cabo de madrepérola porque o 38 era grande e dava um tranco forte. Fiz curso de explosivos com João Lucas Alves (ex-sargento da Aeronáutica que participou do “justiçamento”, no Rio de Janeiro, em 1 de julho de 1968, do major da RFA Edward Von Westernhagen, aluno da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército), a primeira vítima da repressão”. “Uma vez estávamos treinando perto da represa Billings: eu, Dulce Maia e Wilson Fava. Enquanto atirávamos, chegaram dois guardas-florestais. A situação ficou grave. Chamei a Dulce e disse: ‘Ou a gente apaga esses caras ou oferece dinheiro’. Felizmente venceu o suborno”.
Antes de integrar a VPR, Renata Ferraz foi militante da POLOP (Política Operária). Foi ela quem recrutou Carlos Lamarca para a VPR, depois de várias idas ao quartel de Quitauna, “que na época era um simpatizante descontente com o Partido Comunista Brasileiro (...). Logo no primeiro encontro que tivemos ele falou da possibilidade de desertar, saindo com um enorme arsenal”.
Formalmente expulsa da VPR, com vários outros companheiros contrários à realização de ações armadas face ao ainda pequeno grupo de militantes, Renata fugiu para o Uruguai, retornando ao Brasil após a Anistia, após viver no Uruguai e no Chile. Nunca foi presa.
Perguntada pelos “justiçamentos”, respondeu: “Estávamos em uma guerra e alguns dos procedimentos adotados na guerra são mesmo execráveis em tempo de paz”.
Yara Xavier Pereira, membro da Comissão de Mortos e Desaparecidos criada pelo Ministério da Justiça em 1995. Foi militante da Ação Libertadora Nacional, juntamente com pai, a mãe, dois irmãos e o marido. Iniciou sua entrevista dizendo: “Dadas as condições da época eu faria tudo de novo”. Yara começou sua militância em 1968, aos 18 anos, juntamente com os irmãos Yuri Xavier Pereira e Alex de Paula Xavier Pereira, a mãe, Zilda Xavier Pereira (que cuidava da segurança de Marighela) e o pai, João Batista Xavier Pereira. Yara diz que recebeu a notícia da morte de Marighela – 4 de novembro de 1969 - em Cuba, “onde foi aprender a ser guerrilheira”
Em 1971, de volta ao Brasil, passou a integrar um Grupo Tático Armado (GTA), “ora com um 38, ora com um 32”. Diz ter “expropriado” carros, assaltado firmas “e até ajudou a intimidar um estrangeiro suspeito de espionagem, um erro, soube-se depois. Ele morava no Morumbi e fomos lá para levá-lo e assustá-lo. Éramos em cinco. Só duas mulheres, eu e Ana Maria Nacinovic, uma grande guerrilheira. Entramos na casa, mas o cara se trancou no banheiro e não saiu de jeito nenhum. Desistimos. O grupo acabou pichando frases nas paredes e destruindo móveis da mansão”.
Em 1972, seu irmão Alex foi morto em São Paulo, em um tiroteio de rua com a chamada “repressão”. Cinco meses depois, seu outro irmão, Yuri, foi também morto, em São Paulo, juntamente com Ana Maria Nacinovic Correia, a “grande guerrilheira”.
Yara, em setembro de 1972 passou a viver com um dos dirigentes da ALN, Arnaldo Cardoso Rocha, que, meses depois, também foi morto em São Paulo, e com quem teve um filho.
Em 1973 Yara viajou para Cuba, onde passou a viver e nasceu seu filho, que morreu em 1993, em um acidente de trânsito. Posteriormente, viajou para a Itália e, daí, para o Brasil, em 1979, após a Anistia. No Brasil casou-se com o ex-preso político Gilney Amorim Viana, hoje deputado federal.
Os familiares de seus dois irmãos e do seu marido, ou seja, ela e seus pais, foram indenizados “a título reparatório” – como diz a Lei – pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da qual ela faz parte.
A última entrevistada foi Maria do Carmo Brito, que integrou a Direção Nacional da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) com o codinome de “Lia”. Seu marido, Juarez Guimarães de Brito, também dirigente da VPR, cometeu o suicídio, em sua frente, em 18 de abril de 1970, no Rio, quando cercados pela chamada “repressão”, após terem sido denunciados por um companheiro que havia sido preso. “Lia” era a responsável pela concepção logística das “ações” da Organização. Segundo Maria do Carmo, eles haviam se casado em fevereiro de 1962 “ao som da Internacional Comunista”. Então, ela era do PCB e ele da POLOP.
Sobre sua participação na luta armada, nega-se a detalhar seus “feitos armados”. “Participei de todos e não participei de nenhum (...). A luta armada é um conjunto de ações. No caso do japonês, por exemplo (seqüestro do Cônsul do Japão, Nobuo Okuchi, em São Paulo, em 12 de março de 1970), eu não participei diretamente, mas tive total responsabilidade”. O motivo do seqüestro do Cônsul, o militante da VPR Chisuo Osawa (“Mario Japa”), preso em São Paulo em 1970, com informações importantes sobre o treinamento que a VPR vinha realizando no Vale da Ribeira, é, hoje, o marido de Maria do Carmo Brito. Ambos residem no Rio de Janeiro, onde Maria do Carmo é funcionária municipal.
“Lia” e “Mario Japa” são algumas das poucas pessoas que conhecem o destino dado aos dois milhões e quatrocentos mil dólares roubados em Santa Teresa, Rio de Janeiro, em 18 de julho de 1969, por 13 militantes da Organização, da residência de Ana Benchimol Capiglione, tida como amante de Ademar de Barros. Essa “ação” ficou conhecida como o “Roubo do Cofre do Ademar”.
“Lia” concluiu a entrevista dizendo: “Eu acho que a gente cumpriu a nossa função. Porque ganhar não tem importância nenhuma. Nisso eu estou com Ulisses Guimarães: navegar é preciso. E com Lamarca: ousar lutar, ousar vencer. A ditadura ganhou. Tudo bem, mas não foi sem dor. Porque senão ficava de graça...”
Maria do Carmo Brito, libertada em junho de 1970, também em troca da liberdade do embaixador Von Holleben, viveu na Argélia.
Ela teve “total responsabilidade” no seqüestro do Cônsul do Japão e também, depois, em 21 de abril de 1970, três dias após ter sido presa, teve também “total responsabilidade” pela prisão, em São Paulo, de seus companheiros de VPR Ladislas Dowbor, Joaquim dos Santos e Lizst Benjamim Vieira, que haviam participado daquele seqüestro. Isso ela não disse na entrevista.

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