Baleado da série textos leves e que se confundem com a realidade, não tenho o autor, mas preciso dividi-lo com os amigos
Era um caso de urgência urgentíssima. A bala perdida
resolveu encontrar-se no corpo do infeliz e fez um estrago dos infernos. Entrou
pelas costas, varou o pulmão direito, fez uma curva e perfurou o esquerdo
também; depois, fez uma segunda curva, pegou de raspão no coração e mergulhou
nas profundezas do organismo, vazando, de uma só vez, estômago, pâncreas,
bexiga e intestinos reto, grosso e delgado – pela ordem.
Agora, no ápice da hemorragia, Reboucinhas sentia que a bala
ganhara mais energia, atirando-se pelo organismo, ricocheteando nos ossos da
bacia, rompendo artérias e provocando um verdadeiro derrame de glóbulos
brancos.
– Pelo amor de Deus, preciso ser atendido! – Reboucinhas
caiu de joelhos no tapete da recepção do hospital, arrancando interjeições de
compaixão de outros pacientes.
A única que se manteve fria como um mármore foi a
recepcionista. Perguntou apenas:
– Tem convênio?
Reboucinhas, gemendo:
– Tenho.
– Qual?
– Plano Paril.
A recepcionista riu:
– Tá de sacanagem?
Reboucinhas nunca fora tão sério em sua vida. Puxou a
carteirinha, os boletos das últimas 12 mensalidades, todas quitadas no prazo e
com autenticação mecânica:
– Tá tudo aqui, moça.
A recepcionista desdenhou:
– Tudo o que, cara pálida?
– Os documentos do Plano Paril. Tenho direito a atendimento
no pronto-socorro e, em caso de internação, a ficar em quarto particular, com
ar-refrigerado e cine privê.
A recepcionista respondeu com um palavrão e um gesto
impublicável. Fez assim:
– Aqui, ó!...
Saiu do balcão e repetiu o gesto na cara do paciente:
– Aqui, ó!!! Essa porcaria só dá direito a um curativo de
gaze com esparadrapo.
Reboucinhas não sabia o que doía mais, se o desprezo da
atendente ou as espetadelas da bala perdida, que continuava promovendo um
festival de horrores no seu organismo.
Uma velhinha:
– Todo cidadão tem direito a atendimento! – bradou.
Caído, Reboucinhas ainda teve forças para dizer:
– Valeu...
A recepcionista:
– Tá falando demais, hein, vovó! Mais uma palavra e falo
para o médico do berçário não liberar nunca mais a sua certidão de
nascimento...
A velhinha gelou:
– Não, pelo amor de Deus! Estou esperando esse documento há
76 anos...
Foi quando o Reboucinhas deu um grito:
– Saiu!!!
A velhinha, curiosa:
– Pela boca?
Reboucinhas levantou-se, vitorioso, e explicou:
– Não. Mas agora basta costurar a calça.
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