Jornalista Andrade Junior

sábado, 5 de janeiro de 2013

Baleado


Baleado da série textos leves e que se confundem com a realidade, não tenho o autor, mas preciso dividi-lo com os amigos

Era um caso de urgência urgentíssima. A bala perdida resolveu encontrar-se no corpo do infeliz e fez um estrago dos infernos. Entrou pelas costas, varou o pulmão direito, fez uma curva e perfurou o esquerdo também; depois, fez uma segunda curva, pegou de raspão no coração e mergulhou nas profundezas do organismo, vazando, de uma só vez, estômago, pâncreas, bexiga e intestinos reto, grosso e delgado – pela ordem.

Agora, no ápice da hemorragia, Reboucinhas sentia que a bala ganhara mais energia, atirando-se pelo organismo, ricocheteando nos ossos da bacia, rompendo artérias e provocando um verdadeiro derrame de glóbulos brancos.

– Pelo amor de Deus, preciso ser atendido! – Reboucinhas caiu de joelhos no tapete da recepção do hospital, arrancando interjeições de compaixão de outros pacientes.

A única que se manteve fria como um mármore foi a recepcionista. Perguntou apenas:

– Tem convênio?

Reboucinhas, gemendo:

– Tenho.

– Qual?

– Plano Paril.

A recepcionista riu:

– Tá de sacanagem?

Reboucinhas nunca fora tão sério em sua vida. Puxou a carteirinha, os boletos das últimas 12 mensalidades, todas quitadas no prazo e com autenticação mecânica:

– Tá tudo aqui, moça.

A recepcionista desdenhou:

– Tudo o que, cara pálida?

– Os documentos do Plano Paril. Tenho direito a atendimento no pronto-socorro e, em caso de internação, a ficar em quarto particular, com ar-refrigerado e cine privê.

A recepcionista respondeu com um palavrão e um gesto impublicável. Fez assim:

– Aqui, ó!...

Saiu do balcão e repetiu o gesto na cara do paciente:

– Aqui, ó!!! Essa porcaria só dá direito a um curativo de gaze com esparadrapo.

Reboucinhas não sabia o que doía mais, se o desprezo da atendente ou as espetadelas da bala perdida, que continuava promovendo um festival de horrores no seu organismo.

Uma velhinha:

– Todo cidadão tem direito a atendimento! – bradou.

Caído, Reboucinhas ainda teve forças para dizer:

– Valeu...

A recepcionista:

– Tá falando demais, hein, vovó! Mais uma palavra e falo para o médico do berçário não liberar nunca mais a sua certidão de nascimento...

A velhinha gelou:

– Não, pelo amor de Deus! Estou esperando esse documento há 76 anos...

Foi quando o Reboucinhas deu um grito:

– Saiu!!!

A velhinha, curiosa:

– Pela boca?

Reboucinhas levantou-se, vitorioso, e explicou:

– Não. Mas agora basta costurar a calça.
 

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