A nova herança maldita
Editorial - O Estado de S.Paulo -
A manobra do governo para improvisar R$ 15,8 bilhões de receita e maquiar as contas de 2012 foi mais uma prova do firme compromisso da presidente Dilma Rousseff com o atraso e o subdesenvolvimento. Em apenas dois anos ela conseguiu bem mais que a triste façanha de um crescimento acumulado inferior a 4%. Qualquer país pode atravessar uma fase de estagnação e sair da crise mais forte e preparado para um longo período de expansão. O Brasil poderá até se mover um pouco mais em 2013, mas ninguém deve iludir-se quanto às perspectivas de médio prazo.
O
governo manchou mais uma vez sua imagem e sua credibilidade ao montar
uma operação com o Fundo Soberano e dois bancos estatais para encenar o
cumprimento da meta fiscal. O truque, só conhecido publicamente nesta
semana, foi um complemento perfeito do pacotaço do fim de ano.
Sem
disposição para cobrar do Congresso a aprovação do Orçamento até 31 de
dezembro, a presidente assinou medida provisória (MP) para liberar desde
o início do ano R$ 42,5 bilhões. A Constituição, no entanto, só
autoriza esse procedimento para despesas "imprevisíveis e urgentes",
decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. Ainda
antes do réveillon, a presidente embutiu num projeto de lei complementar
sobre a dívida de Estados e municípios um dispositivo para afrouxar a
Lei de Responsabilidade Fiscal e facilitar a distribuição de benefícios
tributários sem os cuidados indispensáveis ao equilíbrio das contas.
Como a saúde orçamentária é irrelevante, o Executivo ainda aproveitou a
virada do ano para reduzir os juros cobrados pelo Tesouro no repasse de
recursos ao BNDES.
Esses repasses totalizaram
R$ 285 bilhões a partir de 2009, quando o Executivo decidiu estimular
com recursos orçamentários o crédito para investimento. Lançada como
ação temporária contra a recessão, a transferência de verbas do Tesouro
ao BNDES foi mantida nos anos seguintes, numa crescente e perigosa
promiscuidade financeira. Com essa política, o Executivo ressuscitou,
com nova aparência, a famigerada conta movimento, extinta no fim dos
anos 80 depois de grandes danos às políticas fiscal e monetária.
A
eliminação dessa conta foi um dos primeiros passos de um longo e
difícil trabalho de recuperação dos principais instrumentos da
estabilidade macroeconômica. As políticas monetária e fiscal só seriam
efetivamente restabelecidas depois do lançamento do Plano Real, em 1994.
A tarefa só seria completada entre 1999 e 2000, quando se articularam
as políticas de meta de inflação, meta fiscal e câmbio flutuante. A Lei
de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, reforçaria nos anos
seguintes um novo padrão para as finanças públicas.
O
tripé formado pelas políticas monetária, cambial e fiscal foi mantido,
em linhas gerais, até 2010, mas com perigosa tolerância com a expansão
dos gastos federais e com uma inflação quase sempre bem superior àquela
observada nas economias mais competitivas. Além disso, a administração
petista sempre desprezou, no governo federal, critérios de eficiência,
profissionalismo e impessoalidade. O partido aparelhou e loteou milhares
de cargos no governo central e em suas empresas, comprometendo cada vez
mais a gestão e a capacidade de elaboração e execução de projetos.
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva sujeitou as estatais às suas
ambições políticas e aos interesses partidários. A deterioração da
Petrobrás, o emperramento dos projetos de infraestrutura e a ampla
corrupção em vários ministérios foram parte da herança deixada à sua
sucessora. A presidente Dilma Rousseff promoveu alguns acertos, mas, de
modo geral, aperfeiçoou aquele triste legado com novas manifestações de
voluntarismo e imediatismo, sem poupar sequer a precária autonomia do
Banco Central e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma nova herança
maldita, muito pior que a recebida em 2011, está em formação.
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